As ilusões do Pós-modernismo, Terry Eagleton


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"A política do pós-modernismo, portanto, significou ao mesmo tempo enriquecimento e evasão. Se eles lançaram questões políticas novas e vitais, isto se dá, em parte, porque bateram em retirada diante de impasses políticos mais antigos — não por eles terem desaparecido ou se solucionado, mas porque por ora se mostravam intratáveis. No início dos anos 70, era comum ver teóricos culturais discutindo o socialismo, os signos lingüísticos e a sexualidade; no final dos anos 70 e início dos 80, eles continuavam com a lengalenga sobre signos lingüísticos e sexualidade; pelo fim dos anos 80, falavam sobre sexualidade. Não se tratava, vale dizer, de um desvio da política para outra coisa, visto que a linguagem e a sexualidade são políticas até a raiz dos cabelos; mas se revelou, por conta de tudo isso, uma maneira valiosa de deixar para trás algumas questões políticas clássicas, tais como por que a maioria das pessoas não dispõe do suficiente para comer, que acabaram de certa forma escorraçadas da ordem do dia. O feminismo e a etnicidade hoje gozam de popularidade por se fazerem lembrar como algumas das lutas políticas mais vitais que confrontamos na realidade. Essa popularidade também se deve ao fato de não se mostrarem necessariamente anticapitalistas, desse modo combinando bem com uma época pós-radical. O pós-estruturalismo, que emergiu por vias oblíquas da efervescência política do final dos anos 60 e início dos 70, e que, como certos militantes arrependidos, tornou-se gradativamente apolítico depois de expatriado, representou, entre outras coisas, uma maneira de manter acesa, no nível do discurso, uma cultura política que havia sido varrida das ruas. Ele também conseguiu seqüestrar boa parte daquela energia política, sublimando-a ao significante num tempo em que pouquíssima subversão de qualquer outro tipo parecia à mão. A linguagem da subjetividade imediatamente suplantou e suplementou questões de ação e organização política. Questões de gênero e etnicidade quebraram de vez o cerco da esquerda ocidental do homem branco, da qual o mais que podemos dizer é que pelo menos não estamos mortos, e se expressaram na maioria das vezes por meio de um discurso culturalista em excesso, que pertence justo àquela parte do globo. O prazer voltou com força total para infestar um radicalismo cronicamente puritano, e também se revelou uma versão cínica do hedonismo consumista. O corpo — um tema tão óbvio e importuno para ser ignorado sem a menor cerimônia durante séculos — abalou as estruturas de um discurso racionalista exangue, e está no momento em vias de tornar-se o maior fetiche de todos."

páginas 21-22
"Captar a forma de uma totalidade exige um raciocínio rigoroso e cansativo, o que vem a ser uma das razões de por que aqueles que não têm necessidade de fazê-lo venham a se maravilhar com a ambigüidade e a indeterminação. Existem pessoas que precisam ter alguma idéia de como as coisas são para que elas possam libertar-se, e outras para quem frases do tipo "como as coisas são" cheiram a objetivismo, cientismo, falocentrismo, a sujeitos excessivamente desinteressados e a um monte de outros casos horripilantes. (Parece que também existem aqueles para quem declarações como "Lord John Russell tornou-se assim primeiro-ministro" representam exemplos insidiosos de "positivismo".) Na época hipotética que estamos tomando como exemplo, podemos esperar que se derrame boa quantidade de sangue e tinta sobre questões de epistemologia — curiosamente, sob certo aspecto, uma vez que não se trata, decerto, da área mais relevante da investigação filosófica. Mas presume-se que haveria uma necessidade de explicar como e se podemos conhecer o mundo diante do aparente colapso de alguns modelos epistemológicos clássicos, um colapso intimamente relacionado com a perda da noção de representação política. Pois a prática consiste sem dúvida num dos meios primários com que defrontamos o mundo; e se nos negam alguma de suas formas mais ambiciosas, não tardará e nos pegaremos imaginando se existe mesmo alguma coisa lá fora, ou no mínimo se existe algo quase tão fascinante como nós próprios. Talvez estejamos todos apenas aprisionados dentro do nosso discurso. Trata-se de uma metáfora reveladora, que entende a linguagem mais como obstáculo do que como horizonte, e poderíamos inventar uma analogia física para ela: se eu pudesse sair da minha cabeça, eu conseguiria saber se existe alguma coisa lá fora. Se fosse possível eu sair de trás das paredes do meu corpo, eu conseguiria encarar o mundo de frente. Do jeito que está, tenho de atuar nele dessa maneira canhestra e a longo prazo. Mas um corpo, evidentemente, representa apenas uma maneira de agir sobre o mundo, um meio de acesso a ele, um ponto a partir do qual um mundo se organiza com coerência. "Um corpo está onde existe algo para ser feito", como disse certa vez Maurice Merleau-Ponty. O mesmo se aplica à linguagem, o dentro dela é também um fora, cujo "interior" se constitui como uma abertura infindável para um "exterior", uma constante auto-superação ou surto em direção a objetos que desmantelam a distinção entre imanente e transcendente, visto que um está inscrito no outro. (Por que, certa vez perguntou-se Ludwig Wittgenstein, falamos do mundo "exterior"? Exterior a quê?) Freqüentar uma linguagem já significa por si só freqüentar bem além dela, e o interior de nossa linguagem nos informa justamente que existe algo que a transcende. O discurso pode revelar-se ofuscante, sem dúvida — mas não porque ele se interpõe entre mim e o mundo, tanto quanto eu não preciso livrar-me do meu braço para chegar à xícara de café que ele segura." 
página 26
"O culto do texto preencheria assim a função ambivalente de toda utopia: prover-nos de uma imagem frágil de uma liberdade que de outra forma deixaríamos de comemorar, mas, ao fazê-lo, confiscar algumas das energias que poderíamos ter investido na sua efetiva realização. E podemos imaginar essa exorbitância do discurso se estendendo para além do próprio texto, para abranger vícios de linguagem de um modo geral. Se não é mais possível realizar nossos desejos políticos na prática, então devemos em vez disso direcioná-los para o signo, livrando-os, por exemplo, de suas impurezas políticas e canalizando para alguma campanha lingüística todas as energias reprimidas que não mais servem para pôr fim a uma guerra imperialista ou para derrubar a Casa Branca. A linguagem, naturalmente, é tão real quanto tudo o mais, como o sabem por experiência própria os que são alvo de calúnias raciais ou sexistas, e o discurso civilizado ou amigável é uma parte necessária da vida social. Mas a linguagem, como todo o resto, também pode vir a figurar como um fetiche — tanto no sentido marxista de ser reificada, investida de um poder excessivamente numinoso, como no sentido freudiano de substituir algo no momento indefinivelmente ausente. Negar que há uma distinção significativa entre o discurso e a realidade, entre praticar genocídio e falar dele, significa, entre outras coisas, uma racionalização dessa condição. Tanto faz que projetemos a linguagem na realidade material ou a realidade material na linguagem, o resultado vem a confirmar que não há nada tão importante como falar. E se isso por si só não fala com eloqüência da situação política embaraçosa de um impasse deveras específico do globo, é difícil saber o que fala. Os mais sensíveis às questões da correta terminologia étnica estariam então condescendendo numa prática totalmente etnocêntrica."
página 27
"Há mais uma especulação que podemos fazer sobre um período desses, que, dada a sua improbabilidade palmar, exponho com o máximo de hesitação. Não está fora de questão que, na aparente ausência de qualquer "outro" para o sistema dominante, de qualquer espaço utópico além dele, alguns dos teóricos mais desesperados do momento poderiam acabar por encontrar o outro do sistema nele mesmo. Poderiam, em outras palavras, vir a projetar utopia no que realmente possuímos, encontrando, digamos, nas adaptações e transgressões da ordem capitalista, no hedonismo e nas pluralidades do mercado, na circulação de forças na mídia e na disco music, uma liberdade e realização que os nossos políticos mais puritanos ainda adiam implacavelmente para algum futuro que recua cada vez mais. Eles poderiam misturar o futuro com o presente e assim fazer a história ir escorregando de modo abrupto para um fim. Se isso acontecesse, valeria a pena nos perguntarmos quem tem autoridade para denunciar e cancelar a história. Quais são as condições históricas da promulgação do fim da história? Seria a intenção disfarçada de fato, assim como o caso de alguém que diz que parou de chover só porque estava louco para sair de casa? A história, no sentido da modernidade, chegou ao fim porque triunfamos na solução de seus problemas, ou porque eles agora nos parecem (a quem?) pseudoproblemas, ou porque acabamos desistindo da empreitada? Se nunca existiu uma dinâmica interna na história, ela já não estava desativada? Toda ela acabou, ou só certas partes dela? A emancipação de povos oprimidos tanto quanto a dominação da natureza? E se os fundamentos acabaram, por que existe hoje tanto fundamentalismo por aí? Por que a boa nova do fim da ideologia parece ter tomado conta de Berkeley ou de Bolonha, mas não de Utah ou de Ulster? É de se esperar que essa utopia prematura venha acompanhada de uma celebração da cultura popular como sendo positiva por inteiro, como inegavelmente democrática em vez de positiva e manipulativa ao mesmo tempo. Os radicais, como todo mundo, podem acariciar seus grilhões, decorar suas celas de prisão, rearrumar as cadeiras no convés do Titanic e descobrir a verdadeira felicidade na carência absoluta. Mas isso — a derradeira identidade entre o sistema e sua negação — representa uma sugestão tão cínica que é deveras difícil de se conceber."
ARTIGO SOBRE VALOR SIMBOLO SIGNO (BAUDRILLARD) EM SUBSTITUIÇÃO AO VALOR DE USO E TROCA (MARX E FETICHISMO)
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/download/2989/2271

pg. 42 a 47
(...) A cultura pós-moderna se interessa muito pela mudança, mobilidade, flexibilidade, ausência de regras, instabilidade, enquanto parte de sua teoria nivela tudo, de Sócrates a Sartre, na mesma tediosa saga. A história ocidental que se supõe homogeneizadora é brutalmente homogeneizada.
 Há outro aspecto em que o pós-modernismo se revela histórico mas de uma maneira seletiva. O pensamento historicista clássico manteve-se fiel ao poder da explicação histórica, sustentando que o sentido de restituir um fenômeno ao seu contexto histórico está em dar alguma luz ao como e por que ele aconteceu, e assim conseguir compreendê-lo mais a fundo. Existem versões mais fortes e mais fracas dessa teoria genética, mas o pós-modernismo, que a princípio acalenta um ceticismo em relação à causalidade muito ao estilo de David Hume, não consegue satisfazer-se a contento com nenhuma delas. Elas lembram muito uma hierarquia de determinações e, dessa forma, ofendem seu pluralismo ontológico, sugerem uma epistemologia realista (o mundo é significantemente estratificado, independentemente de como o interpretamos) e correm o risco de se tornar prato feito para os grandes narradores. Como conseqüência, o pós-modernismo escapa do que ele vê como uma forma especiosa de transcendentalismo para cair em outra. Nos bons e velhos tempos do historicismo, acreditava-se possível fornecer algum tipo de explicação histórica ou genética para, digamos, crenças e interesses — argumentar que elas não saíram do nada nem vieram do outro mundo, e sim a história a que pertenciam e na qual exerciam funções distintas motivaram-nas de formas complexas. As várias teorias da ideologia representavam uma maneira de contribuir para algumas das relações causais entre história e crença. Há aquele pós-modernista que tenta boicotar essa estratégia chamando atenção para o fato de que esse tipo de teoria é por si só uma crença, e portanto se torna parte do problema para o qual se considera solução. Isto equivaleria a afirmar que minhas desculpas por haver quebrado uma de nada servem porque não passam de outro artefato da linguagem.
 De todo modo, reza a teoria, não conseguimos dominar nossas crenças ou interesses examinando seus determinantes históricos, uma vez que, em um círculo vicioso epistemológico, são justamente nossos interesses e crenças que vão determinar aquilo que consideramos determinantes. Com efeito, não conseguimos ter uma idéia crítica clara dessas coisas, assim como não conseguimos vencer na vida sem qualquer tipo de ajuda, ver a nós mesmos enquanto vemos algo ou exercer o domínio interno do nosso corpo. A racionalidade que serviria para avaliar nossas crenças de fora só opera dentro dessas crenças, é em si um produto delas, e portanto um julgamento corrupto e parcial até não poder mais. Como certa vez observou Bertolt Brecht: só alguém dentro de uma situação pode julgá-la, e ele é a última pessoa que pode julgar. Uma vez que nossos interesses, crenças e discursos representam aquilo que em princípio nos faz sujeitos, simplesmente desapareceríamos se tentássemos manter distância para uma análise crítica. Se fôssemos capazes de examinar-nos a nós próprios dessa maneira, ninguém sobraria para fazer o exame. Como acontece com grande parte do pensamento pós-moderno, essa teoria em particular consegue reforçar uma certa fantasia filosófica no próprio ato de rejeitá-la. Ela sustenta, com a mesma firmeza de Matthew Arnold, que toda auto-reflexão crítica deve envolver algum tipo de total desinteresse, em que lograríamos de certa forma distanciar-nos de nossa situação histórica. Assim, escapa-lhe à percepção que uma certa capacidade para a auto-reflexão crítica depende da maneira como o animal humano depende deste mundo — que isto não é uma alternativa ilusória para nossa integração material, mas característico da maneira como os seres humanos, diferentemente dos chapéus de feltro e dos coques de cabelo, estão com efeito inseridos em seu meio ambiente. O fato de terem capacidade, dentro de certos limites, de fazer algo daquilo que os faz já demonstra sua historicidade, um modo de ser possível apenas para uma criatura capaz de falar e trabalhar.
 A suposição de que qualquer crítica de interesses precisa ela mesma ser desinteressada mostra como o pós-modernismo ainda está comprometido com seus ancestrais metafísicos. Ocorre apenas que esses ancestrais acreditavam na possibilidade do desinteresse, ao passo que os pós-modernistas não; fora isso, nada mudou. Se a crítica fosse mesmo desinteressada, por que alguém ia perder tempo praticando-a? Se para o pós-modernismo não podemos sujeitar nossos próprios interesses e crenças a uma dose de crítica radical, isto se dá porque a crença, ou o interesse, ou o discurso, agora elevou-se ao tipo de posição transcendental já ocupado por uma subjetividade universal e, antes disso, por vários outros candidatos que não aparentavam a menor qualificação para a função. Agora, os interesses são transcendentais, autovalidáveis, impérvios à crítica, e essa postura decerto interessa a alguém. Eles representam aquilo que nunca podemos recuperar, e portanto não há possibilidade de investigar suas raízes históricas. O conceito de ideologia, que funcionou como um caminho entre muitos outros para justificar como o que acreditamos está relacionado com o que fazemos, cai assim convenientemente por terra — convenientemente, uma vez que esse tipo de argumentação, que deixa nossas crenças e investimentos sociais imunes a todas as ameaças radicais, nada mais é que um verdadeiro discurso ideológico.
 Essa forte teoria convencionalista às vezes inclui na categoria de crenças proposições observacionais que no momento ninguém poderia pôr em dúvida, estendendo assim o termo "crença" ao limite da inutilidade. Não alimento a crença de que tenho cabelo na cabeça e nenhum no joelho, já que não haveria como não acreditar nisso. Como na alegação de que "tudo é interpretação", ou no seu correspondente esquerdista "tudo é político", essa posição se anula completamente, escapando ao nosso entendimento como um pedaço de elástico esticado ao extremo. O convencionalismo é avesso aos fundamentos, no entanto, como suas convenções podem se comportar de modo tão coercivo como os fundamentos obsoletos, é como se ele tivesse multiplicado esses fundamentos (visto que existem, é claro, muitos grupos de convenções) em vez de aboli-los. Ele se propõe a explicar nosso comportamento mostrando como as convenções o governam, que equivale a dizer que fazemos isso porque é isso que fazemos, o que não explica absolutamente nada. Ele tempouco a dizer aos que perguntam por que o fazemos, ou se, para variar, não devíamos fazer algo diferente.
 Observe-se também que nessa teoria é impossível discernir a que tipo de mundo se referem nosso discurso ou nossas crenças, tanto quanto aqueles que consideram o Grand Canyon ou o corpo humano totalmente "construído" não sabem definir o que está sendo construído. Para eles, a pergunta deve permanecer um mistério, assim como as pessoas despidas de senso de humor entendem como mistério os ciclos nas plantações. Uma vez que os próprios fatos são produtos do discurso, seria um círculo vicioso tentarmos analisar nosso discurso confrontando-o com eles. O mundo não faz inserções na nossa conversa, ainda que estejamos conversando sobre ele. "Não interrompa! Estamos falando de você!" é a resposta do pragmatista para o mais leve pio que o mundo pudesse produzir, como um casal autoritário discutindo acerca do filho acovardado. Mas como o caso não faz a menor diferença para o nosso comportamento, é tão inútil afirmá-lo como o é, aos olhos daqueles que rejeitam a "teoria da correspondência" da verdade, afirmar que nossa linguagem de certa forma "corresponde" à realidade. Trata-se de um verdadeiro retrocesso ao Wittgenstein do Tractatus logico-philosophicus, que sustentava que, posto que nossa linguagem nos "dá" o mundo, ela não pode simultaneamente falar de sua relação com ele. Não podemos levantar de dentro da linguagem a questão da relação da linguagem com o mundo, como não podemos pular sobre nossa própria sombra nem manter suspensa uma corda que estamos tentando escalar. Esse relacionamento, passível de ser mostrado mas não falado, teve portanto de afundar-se no silêncio místico.
 O Wittgenstein tardio acabou renunciando a essa visão impiedosamente monística, reconhecendo em vez disso uma linguagem aferrada ao mundo de todas as diferentes maneiras, algumas delas críticas ou condenatórias e outras não. Em vez de pensar na "linguagem como um todo", ele começou a levar em consideração atos da fala como "Ai!" ou "Fogo!", que guardavam relação com o mundo no sentido de que alguma parte dele fornecia a razão para eles. Poder-se-ia também alegar, embora o próprio Wittgenstein não o tenha feito, que alguns dos nossos atos da fala se relacionam com o mundo na medida em que seu efeito ou intenção é esconder, mistificar, racionalizar, naturalizar, universalizar ou se não legitimar partes dele, e que esse é o grupo de atos da fala tradicionalmente conhecido como ideologia, não tendo nenhuma relação com algum oposto imaginário à verdade absoluta, sem dúvida um alvo imaginário pós-moderno. Uma semiótica pós-moderna que só se ocupa da maneira como o significado produz o significante, em vez de se ocupar também dessas complexas operações do significado sobre ele, simplesmente combina uma variedade de atos da fala, com variadas relações entre signos e coisas, com um modelo de "linguagem em geral", centrada no seu papel de parte integrante do mundo. Nesse sentido, o pós-modernismo, quaisquer que sejam suas credenciais pluralistas, ainda tem de avançar decisivamente para além do monismo do jovem Wittgenstein.
 Todavia, pode-se contar uma versão histórica medíocre das teorias que estamos analisando, que essas próprias teorias descartariam sem demora como apenas mais um discurso idêntico ao seu. Houve um tempo, nos dias do capitalismo liberal clássico, quando ainda se pensava possível e necessário justificar suas ações como um bom burguês usando certos argumentos racionais com fundamentos universais. Ainda estavam disponíveis certos critérios comuns de descrição e avaliação, dos quais podíamos extrair algumas explicações convincentes para nossa conduta. Contudo, à medida que o sistema capitalista evolui — à medida que coloniza novos povos, importa novos grupos étnicos para seu mercado de trabalho, estimula a divisão do trabalho, vê-se forçado a estender seus privilégios a novas clientelas —, ele começa inevitavelmente a minar sua própria racionalidade universa-lista. Pois é difícil deixar de reconhecer que existe hoje toda uma variedade de culturas, dialetos e modos de fazer as coisas competindo entre si, que a própria natureza híbrida, transgressiva e promíscua do capitalismo ajudou a criar. (Veremos mais adiante que um dos erros mais crassos do pós-modernismo é esquecer que o híbrido, o plural e o transgressivo estão em certo nível tão naturalmente ligados ao capitalismo como o Gordo ao Magro.) Da mesma forma, o sistema se depara com uma escolha: continuar insistindo na natureza universal de sua racionalidade, apesar do acúmulo de evidências, ou jogar a toalha e se tornar relativista, aceitando, de bom ou mau grado, que não pode reunir fundamentos definitivos para legitimar suas atividades.
 Os conservadores aferrados seguem o primeiro caminho, enquanto os descansados pragmatistas liberais preferem o segundo. Se a primeira estratégia mostra-se cada vez mais implausível, a segunda apresenta inegável risco. Pois, como veremos em momento oportuno, o sistema não pode realmente abrir mão de seus fundamentos metafísicos, por mais que o vejamos tentando sem cessar destruí-los por meio de suas operações nitidamente não-metafísicas. Existem hoje sociedades que se situam entre as regiões mais pragmáticas e ferrenhas da face da terra e ainda assim pululam de retórica metafísica ostensiva sobre Deus, Liberdade, Pátria e Família, da qual poucos políticos ingleses sairiam impunes, livres de profundo constrangimento. E não temos aí uma conjuntura fortuita. Se o caminho antifundamentalista revela-se perigoso, ele só o é, entretanto, até certo ponto — pois ao tirar os fundamentos de suas próprias formas de vida, o indivíduo acaba inevitavelmente fazendo o mesmo com seus adversários. Agora eles podem fundamentar sua objeção a você tanto quanto você pode cunhar metafisicamente sua defesa. Além do mais, como você poderia alegar, já que a crítica deles começa a tratar, como deve, de suas categorias em vez das deles, é inevitável que ela acabe conivente com elas, perdendo desse modo o caráter de uma verdadeira crítica fundamental. Trata-se apenas de uma maneira de se intrometer na conversa que é civilização ocidental de um ângulo um pouco diferente. Uma autêntica crítica teria de provir toda de um outro universo, pois só assim não desafiaria nossa própria cultura mais que o crocito de uma gralha. O verdadeiro radicalismo, de forma bastante conveniente para o próprio sistema, mostrar-se-ia de uma ininteligibilidade absoluta — fato que a CIA aparenta negligenciar, visto que sem dúvida continua a exibir um interesse profissional por Noam Chomsky, ainda que este de vez em quando emita proposições inteligíveis para Clint Eastwood. Aos radicais pouco importa que lhes digam que o que estão tentando fazer é apenas parte da conversa das suas civilizações, desde que lhes permitam seguir em frente e continuar a fazê-lo. Essa afirmação vai por água abaixo. Eles não ligam se lhes dizem que demitir todos os professores pragmatistas das universidades não passa de um lance no jogo pragmatista, e podemos apostar que os próprios professores captariam o espírito da coisa.
 Na fase pós-imperial, e numa sociedade supostamente multicultural, o sistema não tem mais condições de afirmar a superioridade de seus valores sobre os demais, restando-lhes apenas reconhecer que são diferentes — termo-chave do pós-modernismo. Não se pode comparar com propriedade dois conjuntos de valores, o que implicaria num terceiro tipo de racionalidade dentro da qual todos se incluiriam, e isso é uma das coisas que está sendo negada. Trata-se, na verdade, como chamou atenção Bernard Williams, de uma suposição falaciosa; não somos capazes de traduzir do inglês para o malaio por força de uma terceira língua comum a eles. Mas isto serve para proteger o sistema dominante de qualquer crítica muito inquisitiva, ao mesmo tempo que serve para aumentar suas credenciais liberais. As formas mais conservadoras de pós-modernismo representam a ideologia daqueles que acreditam que, para o sistema sobreviver, deve-se sacrificar a verdade em nome da prática, manobra que pareceria aturdidora para Jefferson ou para John Stuart Mill, mas de forma alguma para Friedrich Nietzsche. Talvez nesse aspecto Pôncio Pilatos tenha inaugurado o pós-modernismo. Mas como tal projeto não pode jamais prosperar, considerando que sacrificar por completo a noção de verdade significaria desabilitar certos princípios bastante úteis de coesão social, como religião e moralidade cívica, as alas mais radicais de pósmodernismo tratam de voltar sua desconfiança da verdade contra a eterna necessidade que seus governantes têm dela como forma de controle social. A ironia reside no fato de que, ao fazerem isso, ao insistirem em que a verdade é uma função de poder e desejo, eles se aproximam demais do que seus governantes mantêm na prática.