Ao lançar "A mídia e a modernidade", no início dos anos 1990, John B. Thompson buscava demonstrar o papel fundamental dos meios de comunicação na formação das sociedades modernas. No artigo, o autor busca revisar sua teoria interacional da mídia à luz da revolução digital. De acordo com ela, para entender os meios de comunicação e seu impacto é necessário analisá-los em relação aos tipos de ação e interação que eles tornam possíveis e criam. No lugar de serem isolados para a analise de suas propriedades intrínsecas, Thompson defende que eles sejam analisados em relação às formas de ação e interação que o seu uso provoca.
Os meios de comunicação não apenas transmitem informação e conteúdo simbólico a indivíduos cujas relações mútuas permanecem inalteradas. O uso deles está relacionado à criação de novas formas de ação e interação, novos tipos de relações sociais e novas forma de relacionamento com os outros e consigo mesmo. Em "A mídia e a modernidade", Thompson distinguiu três tipos de interação: face a face, que ocorre em um contexto de copresença, num cenário espaço-temporal comum, envolve um fluxo bidirecional de informação e comunicação e mobiliza uma multiplicidade de sinais simbólicos; interação mediada, que "envolve o uso de um meio técnico de comunicação que permite que as informações ou os conteúdos simbólicos sejam transmitidos para indivíduos que estão distantes no espaço ou no tempo, ou em ambos", sendo assim estendida no espaço e no tempo, pois "os indivíduos podem interagir uns com os outros, mesmo que não compartilhem um ambiente espacial-temporal comum", e, por mais que seja de caráter dialógico, envolve limitações nas possibilidades de sinalizações simbólicas; a quase-interação mediada é criada pelo tipo de mídia que antes era chamada de comunicação de massa, possui caráter monológico, com seu fluxo de comunicação sendo em grande parte unidirecional (por isso a "quase" interação), e é orientada a um espectro indefinido de potenciais destinatários (é aberta, ao contrário de uma conversa telefônica, que é ponto a ponto, orientada para alguém específico do outro lado da linha). Cabe destacar que "o nosso envolvimento com a mídia, como os jornais e a TV, é uma forma de interação: quando se assiste à televisão ou se lê um jornal ou livro, não se está apenas recebendo ou consumindo um produto de mídia, mas penetra-se em um tipo distinto de interação social com outras pessoas que estão distantes no espaço e talvez também no tempo" (p. 20).
A interação mediada online, conceito posteriormente desenvolvido também por Thompson, é o quarto tipo que surge como consequência da revolução digital e do expressivo crescimento da internet e de outras formas de comunicação em rede. É um conceito que abrange as novas formas de ação e interação criadas pela comunicação que ocorre em ambientes on-line e é mediada por computador, incluindo aí qualquer outro tipo de dispositivo móvel, como os smartphones e tablets, cuja presença está cada vez mais difusa na vida cotidiana.
As propriedades dessa nova forma de interação, como outras de natureza mediada, incluem a extensão as relações sociais através do espaço e do tempo, bem como um "estreitamento no leque de pistas simbólicas" (p. 20). Mas, diferente da quase-interação mediada, é de caráter dialógico, e, no lugar de ser de um para um, como na interação mediada, é orientada para uma multiplicidade de outros destinatários. O cenário perfeito para esse tipo de interação mediada online são os sites de redes sociais (SRS), a exemplo do Facebook, que criam "uma rede em constante expansão de relacionamentos sociais caracterizada por graus variados de familiaridade, fragilidade e pela troca de conteúdo simbólico em múltiplos formatos e modalidades (...) que é disponibilizado para outras pessoas com diversos graus de abertura e limite" (p. 21).
São quatro características principais que distinguem os quatro tipos de interação: 1) a constituição espaço-temporal; 2) a variedade de pistas simbólicas; 3) o grau de interatividade; 4) a orientação para a ação.
Thompson esclarece que a tipologia não é fixa, uma vez que as tecnologias mudam constantemente e, conforme mudam, nossas maneiras de usá-las para interagir e nos comunicar com os outros também se modificam. Além disso, esses tipos diferentes de interação estão frequentemente entrelaçados de maneiras complexas, e é comum que os indivíduos interajam por meio deles simultaneamente. E, embora os SRS ofereçam um cenário perfeito para interação mediada online, essa não é a única forma de interação ou comunicação que ocorre nesses sites. Por exemplo, eles também são espaços onde há troca de mensagens, semelhante a e-mails, e onde acontece comunicação promocional, governada pela lógica comercial e moldada pelos objetivos das organizações que usam as redes sociais para atingir determinadas metas. Pois muitos SRS "são organizações comerciais que geram receita colhendo dados pessoais dos usuários e vendendo-os para anunciantes que promovem produtos ou serviços, direcionando mensagens para determinados usuários ou grupos" (p. 23).
Por fim, "os diferentes modos de interação mediada e os meios de comunicação com o qual elas se relacionam estão eles mesmos sempre inseridos em organizações sociais de vários tipos e, como em todas elas, essas organizações são estruturadas de certas maneiras. Assim como a interação face a face sempre acontece em contextos estruturados, ou campos, a interação mediada também está sempre presente em organizações que desenvolvem, controlam e disponibilizam, sob certas condições, os meios de comunicação que permitem à interação mediada ocorrer" (p. 24).
Organizações, como as empresas de comunicação que fornecem as instalações e redes para o uso de telefones, organizações de mídia que produzem e transmitem programas de rádio e TV, e as empresas de tecnologia que desenvolvem e controlam as plataformas que hospedam as mídias sociais, são a infraestrutura social que possibilita e sustenta a interação mediada em suas variadas formas. "Essas organizações e os indivíduos que possuem, gerenciam e trabalham para elas têm seus próprios interesses, prioridades e preocupações. Elas fornecem as bases institucionais para o acúmulo intensivo de recursos - econômicos, simbólicos e informacionais - e para o exercício de poder, incluindo o de controlar o acesso aos canais e redes de comunicação, na forma de jornalistas e editores que decidem quais fatos aparecerão nos noticiários ou por meio dos termos e condições aos quais os indivíduos devem aderir ao ingressar em uma rede ou postar uma mensagem on-line" (p. 24).
Após estabelecer as diferenças entre cada tipo de interação, Thompson desenvolve a análise a partir da organização social desses diferentes tipos, tomando como base a distinção que Goffman faz entre o "palco" ou região frontal (front region) e os "bastidores" ou região de fundo (back region) da ação.
"Qualquer ação ou performance ocorre dentro de uma estrutura interativa particular que envolve certas suposições e convenções, bem como características físicas e outras - mobília, decoração, adereços, layout etc. - que são parte do cenário. Um indivíduo que atua dentro dessa estrutura adaptará seu comportamento a ela, buscando projetar uma autoimagem que seja mais ou menos compatível com a estrutura e com a impressão que ele deseja transmitir. Essa estrutura de ação e as características que são acentuadas pelos indivíduos que atuam nela compõem o que Goffman chama de 'palco'. As ações e os aspectos do eu que são considerados inadequados, ou que podem desacreditar a imagem que o indivíduo busca projetar, são suprimidos ou colocados nos 'bastidores'. Nas regiões dos bastidores, os sujeitos muitas vezes agem de maneiras que conscientemente contradizem as imagens que buscam projetar no palco. Eles também relaxam e baixam a guarda - ou seja, não precisam mais monitorar suas ações e expressões com o mesmo alto nível de reflexividade geralmente utilizado quando atuam na região frontal" (p. 26).
Thompson então esquematiza os quatro tipos de interação de acordo com a distinção feita por Goffman, a fim de refinar sua análise.
No caso da quase-interação mediada, acrescenta-se o fato de que "o vazamento do comportamento dos bastidores para a região frontal pode ocorrer com facilidade - esse é um risco constante que deriva da organização social da quase-interação mediada. Muitas vezes as consequências de vazamentos desse tipo são triviais, mas às vezes não são - na verdade, ocasionalmente, podem ser extremamente prejudiciais e perturbadoras" (p. 28). Quando se acredita que se está em uma região de fundo segura, e se permite a um comportamento de bastidor problemático, há o risco de se cometer erros interacionais com resultados desastrosos.
Enfim, a organização social da interação mediada online consiste em um conjunto de indivíduos que interagem uns com os outros em suas regiões frontais, que são separadas em termos espaciais e, por vezes, até temporais, criando assim uma forma de interação estendida no espaço e no tempo. "Cada região frontal tem sua própria região periférica e cada participante da interação tem que gerenciar a fronteira entre elas. A interação é dialógica (...) e cada indivíduo está ligado a outros em uma rede que envolve múltiplos participantes, de modo que cada indivíduo está se orientando em direção a vários outros dispersos no espaço e no tempo" (p. 30).
Quem participa dessa situação interativa sabe que "seus enunciados, expressões e produtos comunicativos estão disponíveis para uma pluralidade de outros distantes, e cada um sabe que esses outros distantes também podem contribuir para a interação postando comentários ou unindo-se à interação de alguma outra forma" (p. 30).
Por conta da revolução digital, os vazamentos antes abordados estão se tornando cada vez mais frequentes. Em parte porque novos conjuntos de atores emergem no espaço da rede da internet, alguns que são apenas blogueiros, vazando boatos e histórias sobre celebridades e figuras públicas, e outros que podem ser descritos como informantes digitais, pois veem o vazamento de informações confidenciais para o domínio público como parte de um projeto ou conjunto de crenças políticas. Neste caso, "o vazamento não é uma escorregadela acidental ou não intencional que ocorre quando os limites entre as regiões periféricas e frontais se tornam porosos ou embaçados; ao contrário, é o resultado esperado de uma ação que procura expor atividades que ocorreram secretamente, em bastidores que estavam ocultos, e a ação é animada pela crença de que os outros têm o direito de saber sobre essas atividades secretas." (p. 31).
E, se a grande mídia coleta e relata o material vazado dessa forma, dá a ele uma espécie de legitimidade que não teria de outra forma, dotando o seu conteúdo de uma espécie de valor simbólico, usando o conceito de Bourdieu derivado de capital simbólico, acumulado pelas grandes organizações de mídia, aumentando o poder simbólico potencial e o potencial perturbador do vazamento, o que dá a ele maior credibilidade e visibilidade.
Para representar mais fielmente os fluxos de informações no tipo de ambiente misto de mídia online/offline, incluem-se também as organizações de mídia tradicionais, websites e SRS, e o fluxo de informações de mão dupla entre essas organizações. A maior parte das principais organizações de mídia tem presença online hoje em dia, não só offline, consolidada, enquanto mídia tradicional, tratando-se de organizações de mídia mistas ou híbridas. A situação fica ainda mais complexa quando se considera que os receptores da informação são também, muitas vezes, produtores.
"O fluxo de informações no ambiente online é realmente bidirecional entre sites e plataformas online e indivíduos em rede e, de fato, em muitos casos, as plataformas são o principal meio em que ocorre grande parte da interação on-line mediada entre indivíduos em rede; desse modo, a interação não é tanto entre indivíduos e plataformas em rede, mas entre indivíduos em rede via plataformas." (p. 33).
Em seguida, o autor busca renovar a perspectiva sobre algumas das transformações históricas associadas à ascensão das sociedades modernas. A forma de interação predominante durante a maior parte da história humana foi a face a face, e até o período moderno na Europa "as tradições eram principalmente de caráter oral e dependiam de um processo contínuo de reiteração para sua sobrevivência, por meio da transmissão de histórias e atividades correlatas em interações face a face. As formas de comunicação mediada existiam, é claro, mas estavam amplamente restritas às elites políticas e religiosas que possuíam as habilidades necessárias, tais como a leitura e a escrita, para usar esses meios" (p. 34). O surgimento da indústria gráfica no século XV, expansão da alfabetização a partir do século XIX e desenvolvimento da mídia eletrônica nos séculos XIX e XX, promoveu alterações fundamentais no mix de interações da vida social à medida em que as diferentes formas de interação mediada, quase interação mediada e interação mediada online se disseminaram.
Enquanto na interação face a face a visibilidade depende das propriedades espaciais e temporais da situação de interação e possui caráter recíproco, "nas novas formas de interação criadas pelo uso dos meios de comunicação, a visibilidade dos indivíduos, acoes e eventos é separada do compartilhamento de um local comum: não é mais necessário estar presente no mesmo contexto espaço-temporal para ver o outro indivíduo ou indivíduos com quem se está interagindo ou para testemunhar uma ação ou evento. Assim como a interação é estendida no espaço e no tempo, o campo de visão também o é." (p. 34).
"A visibilidade na quase-interação mediada é unidirecional: alguns indivíduos podem ser vistos por muitos outros sem que eles próprios sejam capazes de ver esses outros, enquanto esses outros podem ver indivíduos distantes sem seres vistos por eles. No caso da interação mediada online, a direcionalidade do olhar é alterada de outras maneiras, porque muitos participantes da interação podem ter meio à sua disposição para tornar os indivíduos, as acoes e os eventos visíveis para outros distantes. (...) A unidirecionalidade foi substituída pela multidirecionalidade" (p. 34-35). No entanto, vale ressaltar que "a capacidade de tornar visível e em qual amplitude algo pode ser tornado visível ou mantido oculto, disponibilizado ou removido da vista, depende do poder e dos recursos que os indivíduos e as organizações tem a sua disposição" (p. 35).
O desenvolvimento a mídia impressa e da mídia eletrônica possibilitou uma visibilidade aos governantes políticos e capacidade de interação com os sujeitos governados que não ocorria nas sociedades antigas ou medievais, em que os governantes mais poderosos raramente eram vistos. "A relação entre os governantes e os sujeitos foi cada vez mais moldada pelas características da quase-interação mediada, e o próprio campo político foi parcialmente reconstituído por essas novas formas de ação e interação" (p. 36).
No entanto, com os jornais, a televisão e o rádio, entra em jogo a questão de que esses meios de comunicação cuja interação é quase-mediada sempre fazem parte de uma organização que envolve "grandes concentrações de recursos e pessoal com interesses e objetivos próprios. Os jornalistas e outros profissionais de mídia nunca foram transmissores neutros, mas sempre partes interessadas que, ao facilitarem e produzirem a comunicação mediada, também a estruturaram de certas maneiras, com base em normas e códigos éticos específicos do campo midiático e em prioridades específicas de suas organizações para guiar suas decisões e práticas" (p. 37).
Por moldarem os fluxos de comunicação, as formas pelas quais as mensagens e o conteúdo simbólico são apresentados e a visibilidade ou invisibilidade dos atores no campo, esses atores organizacionais se tornam gatekeepers. E a interação online mediada tem sido cada vez mais importante no campo político porque perturba os papéis estabelecidos desses gatekeepers institucionais.
A infinidade de novos atores que surgem, capazes de usar os meios de comunicação para interagir com os outros ignorando os canais estabelecidos da quase-interação mediada prejudica o poder das organizações de mídia, dos profissionais de mídia, para moldar a agenda. Agora eles competem com diversas plataformas, fontes de informação e atores que não precisam mais passar pelos canais controlados pelas organizações de mídia tradicionais para se comunicar entre si.
Ao mesmo tempo, essas novas plataformas que permitem aos indivíduos contornar os canais tradicionais também são gatekeepers. "Elas estabelecem as regras que determinam quem pode participar e sob quais condições; decidem quais tipos de comunicação são permitidas e quais não são; moderam - usando operadores humanos e processos automatizados -, removendo conteúdo ofensivo, violento ou de alguma forma inadequado; desenvolvem algoritmos para antecipar os possíveis objetivos e interesses dos usuários com base em suas práticas e preferências anteriores e usam essa forma de conhecimento para moldar as notícias e outros conteúdos que aparecem nos feeds; fazem recomendações e tiram receitas da publicidade, entre outras coisas" (p. 37).
Apesar desses processos funcionarem de acordo com o que Tarleton Gillespie chama de "lógica algorítmica", "para automatizar uma aproximação ao julgamento humano ou descobrir padrões nos rastros de dados sociais coletados" (p. 37), também são formas de gatekeeping, centrais às atividades das plataformas, e ainda mais importantes do que as mesmas atividades das organizações tradicionais de mídia, pois as plataformas dominantes são em número pequeno e têm escala e alcance enormes" (p. 38).
Donald Trump é um exemplo de figura pública que, para evitar o enquadramento e o comentário dos gatekeepers da mídia tradicional, escolheu priorizar a interação mediada online no lugar da quase-interação mediada. Assim contorna os canais de mídia estabelecidos, que, por sua vez, não deixaram de divulgar o conteúdo publicado por ele através das redes sociais, mas agora precisam trabalhar com a informação diretamente divulgada por ele, sob seus termos.
É necessário se adaptar às novas formas de ação mediada e interação que hoje constituem parcialmente o campo político, e para isso os líderes políticos, existentes e aspirantes, devem adequar suas maneiras de agir e falar a essas condições. A isto pode-se chamar gestão da visibilidade, algo que se tornou obrigatório pois "faz parte da estrutura de um campo que é parcialmente constituído pela visibilidade mediada" (p. 39).
O fato de tantos indivíduos que forjaram carreiras na mídia conseguirem se deslocar com facilidade para o campo político, em nossas democracias fortemente mediadas, está relacionado a eles serem bem versados nas artes da visibilidade mediada. "Essa sobreposição de entretenimento e política é um sintoma de uma transformação estrutural mais fundamental, na qual as formas mediadas de interação e visibilidade reconstituíram o campo político" (p. 39).
No entanto, com essas novas formas de interação e visibilidade, também surgem novos riscos, pois a visibilidade criada pela mídia pode desencadear um novo e distinto tipo de fragilidade na esfera política. "Existem muitas fontes de informação e muitas maneiras pelas quais as ações ou os enunciados (...) podem ser capturados, preservados, transmitidos e retransmitidos para as regiões frontais, nas quais podem perturbar, comprometer ou minar as autoimagens que os líderes desejam projetar" (p. 39).
A revolução digital exacerbou essas formas de perturbação que já existiam antes, pois: "tornou muito mais fácil capturar e preservar ações e afirmações, copiar e reproduzir imagens e informações", e assim os usuários estão sempre criando conteúdo digital durável que, após ser enviado ou postado, escapa do seu controle, numa banalização das gravações; e "a proliferação da mídia online significa que qualquer pessoa pode agora transmitir (ou retransmitir) imagens, mensagens e outros conteúdos simbólicos com relativa facilidade", numa democratização da transmissão (p. 40).
Esses dois aspectos somam para a criação de conteúdo simbólico digitalizado em tal quantidade e rapidez que torna impossível para qualquer indivíduo ou organização controlar, e "torna muito mais complexa a dinâmica de poder relacionada aos atos de gravar e transmitir conteúdo simbólico, transformando cada espectador em uma testemunha em potencial com os meios à sua disposição para fornecer evidências audiovisuais para o que testemunham" (p. 40).
Os vazamentos e os escândalos se tornaram tão significativos no campo mediado da política moderna atual porque consistem em riscos ocupacionais na era da visibilidade mediada. Porém, é importante observar que os vazamentos só se caracterizam como escândalos a partir do momento em que suas revelações geram desaprovação ou indignação pública. O escândalo, inclusive, surge como evento mediado no início do século XIX, quando a condenação das atividades na imprensa passou a poder ser constitutiva do evento como um escândalo.
Os escândalos são importantes porque tocam em fontes reais de poder: "o exercício do poder político, de fato, depende do poder simbólico. O exercício do poder político nas sociedades democráticas modernas utiliza o poder simbólicos para ganhar e assegurar o apoio dos outros - em outras palavras, é necessário persuadi-los para obter o apoio deles. E para fazer isso são requeridos tipos específicos de recursos, como o prestígio, a reputação e a confiança. Esses recursos são necessários para exercer o poder simbólico e, como o poder político depende do simbólico, para exercê-lo, esses recursos são fundamentais" (p. 42).
Conclui-se que, nesta época de alta visibilidade midiática, "o campo mediado da política moderna é um campo de batalha no qual os atores estão usando quaisquer canais de mídia à sua disposição para intervir no campo, perseguir suas agendas, exercitar o poder simbólico e confrontar o poder simbólico dos outros, procurar manchar a reputação dos outros e proteger e defender a sua". A arena política, permanentemente instável, agora é ainda mais frágil, marcada pela fluidez da fronteira entre a vida pública e a privada, inserida neste turbulento novo mundo de visibilidade mediada na era digital.
Os meios de comunicação não apenas transmitem informação e conteúdo simbólico a indivíduos cujas relações mútuas permanecem inalteradas. O uso deles está relacionado à criação de novas formas de ação e interação, novos tipos de relações sociais e novas forma de relacionamento com os outros e consigo mesmo. Em "A mídia e a modernidade", Thompson distinguiu três tipos de interação: face a face, que ocorre em um contexto de copresença, num cenário espaço-temporal comum, envolve um fluxo bidirecional de informação e comunicação e mobiliza uma multiplicidade de sinais simbólicos; interação mediada, que "envolve o uso de um meio técnico de comunicação que permite que as informações ou os conteúdos simbólicos sejam transmitidos para indivíduos que estão distantes no espaço ou no tempo, ou em ambos", sendo assim estendida no espaço e no tempo, pois "os indivíduos podem interagir uns com os outros, mesmo que não compartilhem um ambiente espacial-temporal comum", e, por mais que seja de caráter dialógico, envolve limitações nas possibilidades de sinalizações simbólicas; a quase-interação mediada é criada pelo tipo de mídia que antes era chamada de comunicação de massa, possui caráter monológico, com seu fluxo de comunicação sendo em grande parte unidirecional (por isso a "quase" interação), e é orientada a um espectro indefinido de potenciais destinatários (é aberta, ao contrário de uma conversa telefônica, que é ponto a ponto, orientada para alguém específico do outro lado da linha). Cabe destacar que "o nosso envolvimento com a mídia, como os jornais e a TV, é uma forma de interação: quando se assiste à televisão ou se lê um jornal ou livro, não se está apenas recebendo ou consumindo um produto de mídia, mas penetra-se em um tipo distinto de interação social com outras pessoas que estão distantes no espaço e talvez também no tempo" (p. 20).
A interação mediada online, conceito posteriormente desenvolvido também por Thompson, é o quarto tipo que surge como consequência da revolução digital e do expressivo crescimento da internet e de outras formas de comunicação em rede. É um conceito que abrange as novas formas de ação e interação criadas pela comunicação que ocorre em ambientes on-line e é mediada por computador, incluindo aí qualquer outro tipo de dispositivo móvel, como os smartphones e tablets, cuja presença está cada vez mais difusa na vida cotidiana.
As propriedades dessa nova forma de interação, como outras de natureza mediada, incluem a extensão as relações sociais através do espaço e do tempo, bem como um "estreitamento no leque de pistas simbólicas" (p. 20). Mas, diferente da quase-interação mediada, é de caráter dialógico, e, no lugar de ser de um para um, como na interação mediada, é orientada para uma multiplicidade de outros destinatários. O cenário perfeito para esse tipo de interação mediada online são os sites de redes sociais (SRS), a exemplo do Facebook, que criam "uma rede em constante expansão de relacionamentos sociais caracterizada por graus variados de familiaridade, fragilidade e pela troca de conteúdo simbólico em múltiplos formatos e modalidades (...) que é disponibilizado para outras pessoas com diversos graus de abertura e limite" (p. 21).
São quatro características principais que distinguem os quatro tipos de interação: 1) a constituição espaço-temporal; 2) a variedade de pistas simbólicas; 3) o grau de interatividade; 4) a orientação para a ação.
Thompson esclarece que a tipologia não é fixa, uma vez que as tecnologias mudam constantemente e, conforme mudam, nossas maneiras de usá-las para interagir e nos comunicar com os outros também se modificam. Além disso, esses tipos diferentes de interação estão frequentemente entrelaçados de maneiras complexas, e é comum que os indivíduos interajam por meio deles simultaneamente. E, embora os SRS ofereçam um cenário perfeito para interação mediada online, essa não é a única forma de interação ou comunicação que ocorre nesses sites. Por exemplo, eles também são espaços onde há troca de mensagens, semelhante a e-mails, e onde acontece comunicação promocional, governada pela lógica comercial e moldada pelos objetivos das organizações que usam as redes sociais para atingir determinadas metas. Pois muitos SRS "são organizações comerciais que geram receita colhendo dados pessoais dos usuários e vendendo-os para anunciantes que promovem produtos ou serviços, direcionando mensagens para determinados usuários ou grupos" (p. 23).
Por fim, "os diferentes modos de interação mediada e os meios de comunicação com o qual elas se relacionam estão eles mesmos sempre inseridos em organizações sociais de vários tipos e, como em todas elas, essas organizações são estruturadas de certas maneiras. Assim como a interação face a face sempre acontece em contextos estruturados, ou campos, a interação mediada também está sempre presente em organizações que desenvolvem, controlam e disponibilizam, sob certas condições, os meios de comunicação que permitem à interação mediada ocorrer" (p. 24).
Organizações, como as empresas de comunicação que fornecem as instalações e redes para o uso de telefones, organizações de mídia que produzem e transmitem programas de rádio e TV, e as empresas de tecnologia que desenvolvem e controlam as plataformas que hospedam as mídias sociais, são a infraestrutura social que possibilita e sustenta a interação mediada em suas variadas formas. "Essas organizações e os indivíduos que possuem, gerenciam e trabalham para elas têm seus próprios interesses, prioridades e preocupações. Elas fornecem as bases institucionais para o acúmulo intensivo de recursos - econômicos, simbólicos e informacionais - e para o exercício de poder, incluindo o de controlar o acesso aos canais e redes de comunicação, na forma de jornalistas e editores que decidem quais fatos aparecerão nos noticiários ou por meio dos termos e condições aos quais os indivíduos devem aderir ao ingressar em uma rede ou postar uma mensagem on-line" (p. 24).
Após estabelecer as diferenças entre cada tipo de interação, Thompson desenvolve a análise a partir da organização social desses diferentes tipos, tomando como base a distinção que Goffman faz entre o "palco" ou região frontal (front region) e os "bastidores" ou região de fundo (back region) da ação.
"Qualquer ação ou performance ocorre dentro de uma estrutura interativa particular que envolve certas suposições e convenções, bem como características físicas e outras - mobília, decoração, adereços, layout etc. - que são parte do cenário. Um indivíduo que atua dentro dessa estrutura adaptará seu comportamento a ela, buscando projetar uma autoimagem que seja mais ou menos compatível com a estrutura e com a impressão que ele deseja transmitir. Essa estrutura de ação e as características que são acentuadas pelos indivíduos que atuam nela compõem o que Goffman chama de 'palco'. As ações e os aspectos do eu que são considerados inadequados, ou que podem desacreditar a imagem que o indivíduo busca projetar, são suprimidos ou colocados nos 'bastidores'. Nas regiões dos bastidores, os sujeitos muitas vezes agem de maneiras que conscientemente contradizem as imagens que buscam projetar no palco. Eles também relaxam e baixam a guarda - ou seja, não precisam mais monitorar suas ações e expressões com o mesmo alto nível de reflexividade geralmente utilizado quando atuam na região frontal" (p. 26).
Thompson então esquematiza os quatro tipos de interação de acordo com a distinção feita por Goffman, a fim de refinar sua análise.
No caso da quase-interação mediada, acrescenta-se o fato de que "o vazamento do comportamento dos bastidores para a região frontal pode ocorrer com facilidade - esse é um risco constante que deriva da organização social da quase-interação mediada. Muitas vezes as consequências de vazamentos desse tipo são triviais, mas às vezes não são - na verdade, ocasionalmente, podem ser extremamente prejudiciais e perturbadoras" (p. 28). Quando se acredita que se está em uma região de fundo segura, e se permite a um comportamento de bastidor problemático, há o risco de se cometer erros interacionais com resultados desastrosos.
Enfim, a organização social da interação mediada online consiste em um conjunto de indivíduos que interagem uns com os outros em suas regiões frontais, que são separadas em termos espaciais e, por vezes, até temporais, criando assim uma forma de interação estendida no espaço e no tempo. "Cada região frontal tem sua própria região periférica e cada participante da interação tem que gerenciar a fronteira entre elas. A interação é dialógica (...) e cada indivíduo está ligado a outros em uma rede que envolve múltiplos participantes, de modo que cada indivíduo está se orientando em direção a vários outros dispersos no espaço e no tempo" (p. 30).
Quem participa dessa situação interativa sabe que "seus enunciados, expressões e produtos comunicativos estão disponíveis para uma pluralidade de outros distantes, e cada um sabe que esses outros distantes também podem contribuir para a interação postando comentários ou unindo-se à interação de alguma outra forma" (p. 30).
Por conta da revolução digital, os vazamentos antes abordados estão se tornando cada vez mais frequentes. Em parte porque novos conjuntos de atores emergem no espaço da rede da internet, alguns que são apenas blogueiros, vazando boatos e histórias sobre celebridades e figuras públicas, e outros que podem ser descritos como informantes digitais, pois veem o vazamento de informações confidenciais para o domínio público como parte de um projeto ou conjunto de crenças políticas. Neste caso, "o vazamento não é uma escorregadela acidental ou não intencional que ocorre quando os limites entre as regiões periféricas e frontais se tornam porosos ou embaçados; ao contrário, é o resultado esperado de uma ação que procura expor atividades que ocorreram secretamente, em bastidores que estavam ocultos, e a ação é animada pela crença de que os outros têm o direito de saber sobre essas atividades secretas." (p. 31).
E, se a grande mídia coleta e relata o material vazado dessa forma, dá a ele uma espécie de legitimidade que não teria de outra forma, dotando o seu conteúdo de uma espécie de valor simbólico, usando o conceito de Bourdieu derivado de capital simbólico, acumulado pelas grandes organizações de mídia, aumentando o poder simbólico potencial e o potencial perturbador do vazamento, o que dá a ele maior credibilidade e visibilidade.
Para representar mais fielmente os fluxos de informações no tipo de ambiente misto de mídia online/offline, incluem-se também as organizações de mídia tradicionais, websites e SRS, e o fluxo de informações de mão dupla entre essas organizações. A maior parte das principais organizações de mídia tem presença online hoje em dia, não só offline, consolidada, enquanto mídia tradicional, tratando-se de organizações de mídia mistas ou híbridas. A situação fica ainda mais complexa quando se considera que os receptores da informação são também, muitas vezes, produtores.
"O fluxo de informações no ambiente online é realmente bidirecional entre sites e plataformas online e indivíduos em rede e, de fato, em muitos casos, as plataformas são o principal meio em que ocorre grande parte da interação on-line mediada entre indivíduos em rede; desse modo, a interação não é tanto entre indivíduos e plataformas em rede, mas entre indivíduos em rede via plataformas." (p. 33).
Em seguida, o autor busca renovar a perspectiva sobre algumas das transformações históricas associadas à ascensão das sociedades modernas. A forma de interação predominante durante a maior parte da história humana foi a face a face, e até o período moderno na Europa "as tradições eram principalmente de caráter oral e dependiam de um processo contínuo de reiteração para sua sobrevivência, por meio da transmissão de histórias e atividades correlatas em interações face a face. As formas de comunicação mediada existiam, é claro, mas estavam amplamente restritas às elites políticas e religiosas que possuíam as habilidades necessárias, tais como a leitura e a escrita, para usar esses meios" (p. 34). O surgimento da indústria gráfica no século XV, expansão da alfabetização a partir do século XIX e desenvolvimento da mídia eletrônica nos séculos XIX e XX, promoveu alterações fundamentais no mix de interações da vida social à medida em que as diferentes formas de interação mediada, quase interação mediada e interação mediada online se disseminaram.
Enquanto na interação face a face a visibilidade depende das propriedades espaciais e temporais da situação de interação e possui caráter recíproco, "nas novas formas de interação criadas pelo uso dos meios de comunicação, a visibilidade dos indivíduos, acoes e eventos é separada do compartilhamento de um local comum: não é mais necessário estar presente no mesmo contexto espaço-temporal para ver o outro indivíduo ou indivíduos com quem se está interagindo ou para testemunhar uma ação ou evento. Assim como a interação é estendida no espaço e no tempo, o campo de visão também o é." (p. 34).
"A visibilidade na quase-interação mediada é unidirecional: alguns indivíduos podem ser vistos por muitos outros sem que eles próprios sejam capazes de ver esses outros, enquanto esses outros podem ver indivíduos distantes sem seres vistos por eles. No caso da interação mediada online, a direcionalidade do olhar é alterada de outras maneiras, porque muitos participantes da interação podem ter meio à sua disposição para tornar os indivíduos, as acoes e os eventos visíveis para outros distantes. (...) A unidirecionalidade foi substituída pela multidirecionalidade" (p. 34-35). No entanto, vale ressaltar que "a capacidade de tornar visível e em qual amplitude algo pode ser tornado visível ou mantido oculto, disponibilizado ou removido da vista, depende do poder e dos recursos que os indivíduos e as organizações tem a sua disposição" (p. 35).
O desenvolvimento a mídia impressa e da mídia eletrônica possibilitou uma visibilidade aos governantes políticos e capacidade de interação com os sujeitos governados que não ocorria nas sociedades antigas ou medievais, em que os governantes mais poderosos raramente eram vistos. "A relação entre os governantes e os sujeitos foi cada vez mais moldada pelas características da quase-interação mediada, e o próprio campo político foi parcialmente reconstituído por essas novas formas de ação e interação" (p. 36).
No entanto, com os jornais, a televisão e o rádio, entra em jogo a questão de que esses meios de comunicação cuja interação é quase-mediada sempre fazem parte de uma organização que envolve "grandes concentrações de recursos e pessoal com interesses e objetivos próprios. Os jornalistas e outros profissionais de mídia nunca foram transmissores neutros, mas sempre partes interessadas que, ao facilitarem e produzirem a comunicação mediada, também a estruturaram de certas maneiras, com base em normas e códigos éticos específicos do campo midiático e em prioridades específicas de suas organizações para guiar suas decisões e práticas" (p. 37).
Por moldarem os fluxos de comunicação, as formas pelas quais as mensagens e o conteúdo simbólico são apresentados e a visibilidade ou invisibilidade dos atores no campo, esses atores organizacionais se tornam gatekeepers. E a interação online mediada tem sido cada vez mais importante no campo político porque perturba os papéis estabelecidos desses gatekeepers institucionais.
A infinidade de novos atores que surgem, capazes de usar os meios de comunicação para interagir com os outros ignorando os canais estabelecidos da quase-interação mediada prejudica o poder das organizações de mídia, dos profissionais de mídia, para moldar a agenda. Agora eles competem com diversas plataformas, fontes de informação e atores que não precisam mais passar pelos canais controlados pelas organizações de mídia tradicionais para se comunicar entre si.
Ao mesmo tempo, essas novas plataformas que permitem aos indivíduos contornar os canais tradicionais também são gatekeepers. "Elas estabelecem as regras que determinam quem pode participar e sob quais condições; decidem quais tipos de comunicação são permitidas e quais não são; moderam - usando operadores humanos e processos automatizados -, removendo conteúdo ofensivo, violento ou de alguma forma inadequado; desenvolvem algoritmos para antecipar os possíveis objetivos e interesses dos usuários com base em suas práticas e preferências anteriores e usam essa forma de conhecimento para moldar as notícias e outros conteúdos que aparecem nos feeds; fazem recomendações e tiram receitas da publicidade, entre outras coisas" (p. 37).
Apesar desses processos funcionarem de acordo com o que Tarleton Gillespie chama de "lógica algorítmica", "para automatizar uma aproximação ao julgamento humano ou descobrir padrões nos rastros de dados sociais coletados" (p. 37), também são formas de gatekeeping, centrais às atividades das plataformas, e ainda mais importantes do que as mesmas atividades das organizações tradicionais de mídia, pois as plataformas dominantes são em número pequeno e têm escala e alcance enormes" (p. 38).
Donald Trump é um exemplo de figura pública que, para evitar o enquadramento e o comentário dos gatekeepers da mídia tradicional, escolheu priorizar a interação mediada online no lugar da quase-interação mediada. Assim contorna os canais de mídia estabelecidos, que, por sua vez, não deixaram de divulgar o conteúdo publicado por ele através das redes sociais, mas agora precisam trabalhar com a informação diretamente divulgada por ele, sob seus termos.
É necessário se adaptar às novas formas de ação mediada e interação que hoje constituem parcialmente o campo político, e para isso os líderes políticos, existentes e aspirantes, devem adequar suas maneiras de agir e falar a essas condições. A isto pode-se chamar gestão da visibilidade, algo que se tornou obrigatório pois "faz parte da estrutura de um campo que é parcialmente constituído pela visibilidade mediada" (p. 39).
O fato de tantos indivíduos que forjaram carreiras na mídia conseguirem se deslocar com facilidade para o campo político, em nossas democracias fortemente mediadas, está relacionado a eles serem bem versados nas artes da visibilidade mediada. "Essa sobreposição de entretenimento e política é um sintoma de uma transformação estrutural mais fundamental, na qual as formas mediadas de interação e visibilidade reconstituíram o campo político" (p. 39).
No entanto, com essas novas formas de interação e visibilidade, também surgem novos riscos, pois a visibilidade criada pela mídia pode desencadear um novo e distinto tipo de fragilidade na esfera política. "Existem muitas fontes de informação e muitas maneiras pelas quais as ações ou os enunciados (...) podem ser capturados, preservados, transmitidos e retransmitidos para as regiões frontais, nas quais podem perturbar, comprometer ou minar as autoimagens que os líderes desejam projetar" (p. 39).
A revolução digital exacerbou essas formas de perturbação que já existiam antes, pois: "tornou muito mais fácil capturar e preservar ações e afirmações, copiar e reproduzir imagens e informações", e assim os usuários estão sempre criando conteúdo digital durável que, após ser enviado ou postado, escapa do seu controle, numa banalização das gravações; e "a proliferação da mídia online significa que qualquer pessoa pode agora transmitir (ou retransmitir) imagens, mensagens e outros conteúdos simbólicos com relativa facilidade", numa democratização da transmissão (p. 40).
Esses dois aspectos somam para a criação de conteúdo simbólico digitalizado em tal quantidade e rapidez que torna impossível para qualquer indivíduo ou organização controlar, e "torna muito mais complexa a dinâmica de poder relacionada aos atos de gravar e transmitir conteúdo simbólico, transformando cada espectador em uma testemunha em potencial com os meios à sua disposição para fornecer evidências audiovisuais para o que testemunham" (p. 40).
Os vazamentos e os escândalos se tornaram tão significativos no campo mediado da política moderna atual porque consistem em riscos ocupacionais na era da visibilidade mediada. Porém, é importante observar que os vazamentos só se caracterizam como escândalos a partir do momento em que suas revelações geram desaprovação ou indignação pública. O escândalo, inclusive, surge como evento mediado no início do século XIX, quando a condenação das atividades na imprensa passou a poder ser constitutiva do evento como um escândalo.
Os escândalos são importantes porque tocam em fontes reais de poder: "o exercício do poder político, de fato, depende do poder simbólico. O exercício do poder político nas sociedades democráticas modernas utiliza o poder simbólicos para ganhar e assegurar o apoio dos outros - em outras palavras, é necessário persuadi-los para obter o apoio deles. E para fazer isso são requeridos tipos específicos de recursos, como o prestígio, a reputação e a confiança. Esses recursos são necessários para exercer o poder simbólico e, como o poder político depende do simbólico, para exercê-lo, esses recursos são fundamentais" (p. 42).
Conclui-se que, nesta época de alta visibilidade midiática, "o campo mediado da política moderna é um campo de batalha no qual os atores estão usando quaisquer canais de mídia à sua disposição para intervir no campo, perseguir suas agendas, exercitar o poder simbólico e confrontar o poder simbólico dos outros, procurar manchar a reputação dos outros e proteger e defender a sua". A arena política, permanentemente instável, agora é ainda mais frágil, marcada pela fluidez da fronteira entre a vida pública e a privada, inserida neste turbulento novo mundo de visibilidade mediada na era digital.