O consumo no campo comunicação/educação: importância para a cidadania (Baccega, 2012)

O conceito de cidadania é a outra face do consumo. A cidadania requer ao menos três aspectos: a consciência de que se é sujeito de direitos; conhecimento de seus direitos, garantias de que o sujeito exerce ou exercerá seus direitos quando lhe convier.

Assim, é impossível exercer cidadania sem a relação com comunicação/educação.
A isso, somam-se direitos que não são tradicionalmente reconhecidos pelo Estado, como o do "exercício das práticas sociais e culturais que dão ao sujeito 'sentido de pertencimento'", o que permite aos indivíduos "sua participação em múltiplos territórios, permitindo-lhe o desenho de suas múltiplas identidades".
Entre esses direitos está o de consumir bens materiais e bens simbólicos.
O exercício de práticas sociais e culturais que dão sentido de pertencimento aos sujeitos possibilita a inserção deles na sociedade. Entre essas práticas, está o consumo de bens materiais e simbólicos, por mais que não seja um direito tradicionalmente reconhecido pelo Estado.

Ao se complexificar o estudo sobre o processo de consumo, o sujeito desse processo - o consumidor - deixa de ser considerado apenas como recipiente, alienado, que sequer ressignifica as ideias, conceitos e comportamentos direcionados a ele. Por ser um sujeito ATIVO nos contextos sociais, o consumidor possui percepções, representações e valores que resultam desses contextos e com eles interagem.

O processo de consumo se trata de um conjunto de comportamentos que recolhem e ampliam, no âmbito privado dos estilos de vida, as mudanças da sociedade em seu conjunto. Ou: o processo de consumo é um conjunto de comportamentos que RECOLHE e AMPLIA as mudanças da sociedade no âmbito privado dos estilos de vida.

Assim, o próprio mercado deixa de ser um simples lugar de troca de mercadorias e passa a ser visto como um TERRITÓRIO DE INTERAÇÕES no qual ESPAÇOS DE ESCOLHA, de DIÁLOGO ENTRE SUJEITOS, de SATISFAÇÃO DE NECESSIDADES MATERIAIS E CULTURAIS escrevem a complexidade da sociedade contemporânea.

Ou: interações ocorrem no espaço de troca de mercadorias! Escolhas, diálogos, satisfação de necessidades materiais e culturais. Na sociedade contemporânea, tão complexa.

O consumidor é mais que um ator econômico; é ator social! Sujeito ativo que se constrói como consumidor e receptor, pois o processo de consumo e o de recepção tem as mesmas características, o mesmo sujeito!

O consumo de bens materiais/simbólicos e o consumo de bens culturais moram no mesmo sujeito e tem sua referência no ambiente socioeconômico e na cultura. A recepção é o consumo da comunicação.

"O campo comunicação/educação é um lugar privilegiado na construção dos sentidos sociais, logo, na concepção e prática do consumo." p.250.

A reflexão sobre as relações comunicação/educação e consumo partem dos conhecimentos proveniente dos estudos de comunicação/educação, principalmente os que se tratam sobre produção-distribuição-consumo do processo comunicacional, inclusive o embate pela hegemonia na constituição dos sentidos sociais e dos valores, com privilegio aos aspectos da recepção; ou seja, o consumo dessa comunicação.

Os estudos da RECEPÇÃO, ou consumo da comunicacao, está inserido dentro dos estudos sobre produção-distribuicao-consumo do processo educacional, que também passa pelo embate pela hegemonia na constituicao dos sentidos sociais e dos valores. Para refletir sobre as relacoes comunicacao/educacao e consumo, Baccega parte desses conhecimentos dos estudos de comunicacao/educacao. Afinal, sendo o campo comunicacao/educacao um lugar privilegiado na construcao dos sentidos sociais, também o é na concepcao e prática do consumo.

Estudos sobre producao-distribuicao-consumo do processo comunicacional, principalmente quanto ao embate pela hegemonia na constituicao dos sentidos sociais e dos valores, possibilitam refletir sobre as relacoes entre comunicacao/educacao e consumo!!

Como o campo comunicacao/educacao é um lugar privilegiado na construcao dos sentidos sociais, também o é na concepcao e prática do consumo. "Comunicacão/educacão e consumo permitem que o sujeito traga à superfície o que de maneira incipiente comeca a ser esbocado na sociedade." (p. 250)

Como os acontecimentos atuam na cultura na qual o sujeito é formado e na qual interage? Comunicacao/educacao e consumo permitem verificar isso.

Alonso cita Rochefort, que afirma que, no lugar de uma sociedade de consumo (vista como global, uniformizadora, manipuladora, alienante), estabeleceu-se uma sociedade dos consumidores. Nela, "as práticas aquisitivas se naturalizam e complexificam dentro das formas gerais de realizacão da sociabilidade dos grupos e das instituicões. (p.251).

É no campo comunicacao/educacao/consumo que este novo sujeito (cidadão) é gestado. O consumidor não é alienado, dominado, que consome porque a propaganda mandou. Devemos integrar as decisões desse sujeito consumidor a uma perspectiva global, e analisar como resultante de fatores psicológicos, das relacões interpessoais que estabelece, do contexto social onde opera e da cultura a que pertence.

As decisões do consumidor estão ligadas, resultam, de fatores psicológicos, relacões interpessoais e contexto social onde opera e da cultura a que pertence. O consumismo é a mercadorizacão do próprio consumo, quando consumo se torna mercadoria. O consumo é indispensável à existência de qualquer sociedade.

{lembrar de Colin Campbel; consumir pode ser lido como exploracao, esgotamento, mas também usufruto, criacão de sentido, satisfacão)

Se o consumo é indispensável à existência de qualquer sociedade, faz-se necessário "educar os alunos como sujeitos ativos no processo de construcão e inovacão dessa sociedade", no sentido de que o consumo seja amplamente conhecido, superando simplificacões. Contra essas simplificacões, deve-se levantar a reflexão de que os sujeitos são cidadãos críticos diante da dinâmica da sociedade; que eles podem consumir ou não a partir de sua nova análise, construindo novos modos de consumir, disseminando novas práticas de consumo na sociedade.

O consumo, no lugar de ser tratado como o "mal do consumismo", ou de modo que as pessoas se rendem aos seus efeitos ou transformar seu estudo em um manual do consumidor... enfim, deve-se propor uma "reflexão que possibilite trazer aos sujeitos a condicão de cidadãos críticos diante da dinâmica da sociedade; cidadãos que consigam consumir ou não a partir de sua própria análise, construindo novos modos de consumir, disseminando novas práticas de consumo na sociedade como um todo" p. 252.

"O consumo se converteu no processo ativo que implica a construcão simbólica de uma consciência de identidade coletiva e individual" (p. 252)

Relacões comunicacão/educacão e consumo

Várias agências atuam na constituicão do sujeito, desde as mais tradicionais (escola, família, religão) até aquela que, contemporaneidade, se sobrepõe e envolve a todos: a comunicacão (aparato midiático, de maior penetracão, ou manifestacões da cultura popular).

As agências agem sobre a sociedade e dela recebem influências, num processo permanente de interacão. Nossa realidade social é atravessada pelo consumo, que é considerado a marca da sociedade contemporânea, constituidor de subjetividades, de identidades.

Os bens a consumir constituem bases da construcão de identidades do sujeito, com suas duas faces inseparáveis - material e simbólica.

Esses bens divulgam-se sempre num processo de interacão com a sociedade, tendo sua divulgacão garantida por meio da comunicacão. Afinal, comunicacão e consumo formam um todo idivisível, interdependente: estão juntos na mídia em geral, na comunicacão interpessoal (ponte producão-consumo), no boca a boca e nas festas culturais, entre outras plataformas e situacões de comunicacão.

A interacão dos bens a consumir com a sociedade diz respeito aos processos culturais instalados, de modo que possa ser inteligível. CIRCULACÃO E DIVULGACÃO.

A "inteligibilidade [do processo de interacão com a sociedade) prende-se ao saber discursivo que está na base de todo dizer. Esse é o interdiscurso." (p. 254)

De acordo com Orlandi, o interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situacão discursiva dada. Todo dizer se encontra na confluência de dois eixos: o da memória (constituicão) e o da atualidade (formulacão). É desse jogo que se tiram os sentidos do dizer.

"Para que entendamos tudo o que aparece no nosso horizonte, é necessária a base do já dito. E o que está sendo dito volta, na constituicão dos sentidos, como outro já dito que vai garantir a continuidade da comunicacão, a dinâmica permanente que resulta sempre em novos dizíveis, em novos ditos, em novos sentidos." (p. 254)

É necessário que o sujeito tenha condicões de se relacionar com o consumo de forma reflexiva. O consumo está no cerne do campo comunicacão/educacão porque esse campo é onde se formam os sentidos sociais, "palco da guerra permanente entre o que existe e o que há de vir, território da luta entre as agências, na disputa pela constituicão dos significados sociais, incluindo o do próprio consumo e dos valores que vão se ressignificando de acordo com o espaco e tempo da práxis. É aí que podemos ganhar muitas batalhas, num processo cumulativo para a mudanca, usando a arma do conhecimento" (p. 254)

Assim, consumo e comunicacão estão alicercados um ao outro, numa rede de intercâmbio de significados. Os estudos dessas relacões são fundamentais para a formacão do sujeito crítico, e por conta da "necessidade de conhecimento da sociedade da qual emergem os produtos culturais e para a qual se destinam esses produtos, ou seja, a totalidade do processo comunicacional que nasce e retorna a essa sociedade, revela que >> sem conhecer a sociedade do consumo, fica difícil pesquisar e refletir sobre comunicacão <<" (p. 255)

Totalidade do processo comunicacional que nasce e retorna à sociedade = onde emergem os produtos e para a qual eles se destinam.

A sociedade atual é plena de estereótipos, que "facilitam a percepcão". Há uma transferência clara de semas do campo semântico referente à mídia para o campo semântico do consumo.

"Assim como a mídia era (às vezes ainda é) responsabilizada por todas as mazelas sociais por todas as mazelas sociais - violência, famílias desfeitas, desprestígio da escola e do professor, etc. - assim hoje essas e outras mazelas são atribuídas ao consumo. " (p. 255).

O consumo é visto como compra de futilidades, compulsão, e apenas nesse sentido de consumo hedonista, visto pelo prisma do sistema publicitário. Essa marca ideológica é a mais divulgada, conhecida e identificada com o consumo; portanto, a visão mais popular sobre o fenômeno.

"Quando a cultura de massa pensa o fenômeno do consumo, o faz, via de regra, nos parâmetros de uma ideologia em que possuir produtos e servicos é ser feliz" (APUD ROCHA)

O mainstream da ideologia do consumo é a visão hedonista sobre ele. A autora defende que se combata o preconceito em relacão ao consumo, da mesma forma que se brigou contra o preconceito sobre a mídia, hoje encarada como producão humana dirigida a humanos. "os que temos estado lado a lado na construcão do campo comunicacão/educacão devemos comecar a refletir sobre a questão do consumo e a importância de ser conhecimento para a formacão das novas geracões que estão construindo a história a partir de uma sociedade com outro sensorium, com práticas culturais diferentes e diferenciadas, com processos educacionais e comunicacionais afetados pelas transformacões tecnológicas, que desenham novo lugar para cada sujeito" (p. 256)

Everardo Rocha ainda classifica o consumo em três outras possibilidade: naturalista, utilitária e moralista. Por exemplo, a visão do consumo hedonista + moralista = consumismo.

"A visão moralista do consumo invade tanto discursos simplórios e ingênuos quanto análises ditas sérias e que podem ser possuidoras de variados graus de sofisticacão" (p. 257)

O estereótipo sobre consumo acabou comprometendo os estudos na área, o que também retardou a construcão de uma grande massa crítica sobre esse tema, mais consistente. "Afinal, comunicacão e consumo são os pilares mais importantes da sociedade contemporânea e são direitos aos quais todos devem ter acesso" (p. 257).

O processo de conhecimento constrói outros muitos objetos que todos deveriam poder consumir, e isto é legítimo. "O que não é legítimo é a segregacão, a falta de condicões de acesso aos bens materiais/simbólicos e simbólicos/materiais" (p. 258). Pois todo objeto material tem seu lado simbólico, e todo bem simbólico tem sua existência material.

> Campo da comunicacão = lugar da convergência de saberes, o que traz a extensão de estudos desse campo. E os estudos de consumo estão relacionados ao campo comunicacão/educacão como parte integrante, indispensáveis que são à formacão da cidadania. É importante encarar o desafio de estudar a complexidade do sujeito consumidor e saber usar esse conhecimento em conjunto com comunicacão e educacão.

"A complexidade do consumidor pode ser observada pelos vários aspectos de que ele se compõe" (p. 259)

De acordo com Alonso, há uma mistura realista de "manipulacão e liberdade de compras, de impulso e reflexão, de comportamento condicionado e uso social de objetos e símbolos da sociedade de consumo" (p. 259)

O consumidor de forma alguma está isolado, desconectado de seus contextos sociais, mas porta "percepcões, representacões e valores que se integram e completam com o resto de seus âmbitos e esferas de atividade" (p. 259)

Por isso, o processo de consumo pode ser percebido como um "conjunto de comportamentos que recolhe e amplia, no âmbito privado dos estilos de vida, as mudancas culturais da sociedade em seu conjunto" (p. 259). E o mercado é "território de interacões, com espacos de escolha e de diálogo entre sujeitos, de satisfacão de necessidades materiais e culturais, de construcão de identidades e de grupos de pertencimento" (p. 259)

Comunicacão e consumo caminham juntos. A concepcão do consumismo se relaciona diretamente com a concepcão de receptor: um SUJEITO ATIVO, que não apenas interpreta, mas também ressignifica as mensagens da mídia, e ainda "inclui essa ressignificacão no conjunto de suas práticas culturais, modificando-as ou não" (p. 259)

"O consumo é um dos indicadores mais efetivos das práticas socioculturais e do imaginário de uma sociedade" (p. 260). Também revela o "lugar" do sujeito na hierarquia social, "o poder de que se reveste". O consumo impregna a trama cultural, assim como os meios de comunicacão.

O consumidor, membro ativo da sociedade em que vive, tem suas opcões limitadas por essa sociedade. "Consumo e producão são duas faces da mesma moeda" (260). Baccega cita Marx para explicar que sem producão não há consumo e, sem consumo, não há producão. Similar ao signo, pois a concretizacão da palavra (signo verbal) está na dinâmica da vida social, a significacão do produto está no seu consumo!

"Cada um não é apenas imediatamente o outro: cada um, ao realizar-se, cria o outro" (p. 261)

Sem o consumo, o produto não se efetiva no seio do social, pois não é mais do que ele próprio, mero objeto. Para ser produto, é necessário o seu consumo. "A necessidade pode estar presente no consumo, mas é também por ele ressignificada" (p. 261) > há diferentes formas de se comer um alimento, p.ex.

O campo da Antropologia tem se debrucado sobre a temática do consumo e contribuído na investigacão sobre a relacão comunicacao/consumo. Para Rocha e Rocha, "o consumo é um sistema de significacao e a principal necessidade que supre é a simbólica" (p. 261)

Por ser tratar de um código, por meio do consumo pode-se traduzir boa parte das relacões sociais e elaborar experiências de subjetividade. E esse código, como traduz sentimentos e relacões sociais, "forma um sistema de classificacão de coisas e pessoas, produtos e servicos, indivíduos e grupos" (p. 262)

Por isso, como é próprio dos códigos, o consumo pode ser inclusivo tanto de novos produtos e servicos (que a ele se agregam e são articulados aos demais) quanto de identidades e relacões sociais (definidas em larga escala, a partir dele).

"A comunicacão se relaciona com o consumo em pelo menos três ambitos: 1. o consumo é, ele próprio, um código capaz de comunicar-se com os sujeitos. Ele tem uma linguagem que é possível identificar e compreender; 2. no âmbito da difusão dos produtos e servicos, apresentados como necessidades e revelados como índices de classificacão social; 3. na importância que a publicidade assumiu em nossa época, também chamada era da publicidade, devido à transformacão das coisas em mercadoria e sua estetizacão". (p. 262)

Já o consumo se relaciona com a comunicacão porque o campo de comunicacão se configura como lugar de interacão entre os polos de emissão e de recepcão. A dinâmica entre enunciador <-> enunciatário e vice-versa embasa o estudo do campo da comunicacão. Há uma troca de lugares entre enunciador e enunciatário. E o enunciador, "formulador" da mensagem, "é, antes de tudo, enunciatário de todos os discursos sociais que lhe permitem aquela formulacão" (p. 262). As duas características coexistem nele!

O mesmo ocorre com o receptor: "enunciatário do discurso, a comunicacão só ocorre quando ele se tornar enunciador, ou seja, quando manifestar esse discurso na concretude do social" (p. 263). Assim também é a relacão producão/consumo. O território onde ocorre a comunicacão, formado no encontro entre os sujeitos da comunicacão, é onde se constituem os sentidos sociais compartilhados com toda a sociedade. Nele, constroem-se as mensagens. "Nem o emissor nem o receptor são autores eles próprios do processo comunicacional. Assim também a producão e o consumo: a significacão do produto só ocorre no encontro entre os dois" (p. 263).

O resultado dos discursos sociais presentes em ambos os pólos é o campo da comunicacão; já as condicões sociais são o que geram o CONSUMO, que constitui seus sentidos no encontro das duas faces. "Questões como construcão da verdade, estereótipo, manipulacão, simulacro, imaginário, cultura e culturas, resistência cultural e cultura de resistência, identidade, cotidiano, subjetividade, consciência social e consciência estética, entre outras, constituem o centro de discussão e reflexão para os estudos e a prática não só do campo da comunicacão como também do consumo, espaco de convergência dessas questões, característica da contemporaneidade" (p. 264).

Conhecer a dinâmica social é indispensável para estudar os campos comunicacão e consumo, e para isso é preciso buscar a associacão íntima do rigor analítico com a sensibilidade às nuances da vida social. E qualquer análise da realidade, qualquer crítica, qualquer proposta de modificacão ou aprimoramento passa pelo conhecimento científico dela. "O conhecimento dos processos de producão/consumo, das práticas e estratégias do sujeito para alcancar êxito na sua integracão ou rejeicão a esta era do consumo, da subjetividade e das identidades do consumidor permitirão que a análise crítica da sociedade seja mais aguda e o projeto de intervencão social mais passível de êxito". (p. 264).