A concepção de linguagem e de entendimento na qual Habermas apoia o
conceito de “agir comunicativo” é desenvolvida no
contexto das teorias do significado e comprovada na teoria
sociológica da ação, que pretende esclarecer de que modo é
possível a ordem social. Ao analisar os pressupostos do agir
comunicativo, Habermas visa explorar “as dimensões que servem de
pano de fundo ao mundo da vida, o qual estabiliza e entrelaça as
interações, transformando-as em agregados de nível superior”
(HABERMAS, 1990, p.76). De acordo com a visão do autor, o consenso
sobre algo é medido pelo reconhecimento intersubjetivo da validade
de um proferimento, que deve ser fundamentalmente aberto à crítica.
Faz-se necessário, então, distinguir entre um proferimento válido
e um tido como válido, observando antes que não é possível
dissociar plenamente as questões de significado das questões de
validez.
A
orientação pela possível validade de proferimentos é uma das
condições pragmáticas do entendimento e da própria compreensão
da linguagem, na qual as dimensões do significado e da validez estão
ligadas internamente. Como a problemática da validez se localiza na
relação da linguagem com o mundo e a totalidade dos fatos, o
vínculo entre o significado e a validez de expressões linguísticas
só pode ser estabelecido no discurso que constata fatos.
De
acordo com Habermas, os enunciados utilizados de modo comunicativo
servem para expressar intenções ou experiências de um falante,
representar estados de coisas e contrair relações com o
destinatário. Essas três funções refletem três aspectos
fundamentais do entendimento, numa relação existente entre o
significado de uma expressão linguística e: a) o que se entende com
ela; b) o que se diz nela; c) o modo de utilizá-la no ato de fala.
Diferente de outras teorias do significado mais conhecidas, que tomam
como ponto de partida apenas um desses três raios de significação,
para o autor a teoria da ação de fala respeita igualmente a relação
entre a linguagem e o mundo, entre enunciado e estado de coisas. Além
disso, cada ato de fala pode ser criticado como inválido sob três
aspectos: inverídico (em relação à existência do seu conteúdo);
incorreto (quanto a contextos normativos ou a legitimidade das normas
pressupostas); ou não sincero (em relação à intenção do
falante).
A
guinada pragmática linguística possibilitou que a questão da
validez de uma proposição deixasse de ser uma simples questão
sobre o vínculo objetivo entre linguagem e mundo, alheia ao processo
de comunicação, pois implicou em uma transformação da força
ilocucionária: as pretensões de verdade, não mais definidas
semanticamente nem reduzidas à perspectiva do falante, passam a
formar o ponto de convergência do reconhecimento intersubjetivo por
parte de todos os participantes. O componente ilocucionário, antes
entendido por Austin como o componente irracional do ato de fala,
enquanto o elemento racional seria o conteúdo da asserção, passou
a ser visto como a busca por uma racionalidade apresentada como a
vinculação entre condições de validez, pretensões de validez e
razões para o seu resgate discursivo. Assim, sem que as condições
de validade estejam mais fixadas no componente proposicional, surge a
possibilidade de introduzir outras pretensões de validez, não mais
definidas de acordo com a relação entre a linguagem e o mundo
objetivo.
A
ação de fala pode ser compreendida quando sabemos o que a torna
aceitável, sendo as suas condições de aceitabilidade o tipo de
razões que o falante poderia aduzir, a fim de convencer um ouvinte,
de que o falante tem o direito de pretender validez para a sua
expressão em determinadas circunstâncias. O falante, por meio dessa
pretensão de validez criticável, assume que visa aduzir razões em
prol da validade da ação de fala, e o ouvinte, que conhece as
condições de aceitabilidade e compreende o que é dito, é
desafiado a tomar uma posição baseado em motivos racionais. Se o
ouvinte reconhecer a pretensão de validez, aceitando a oferta
contida no ato de fala, ele assumirá a sua parte das
obrigatoriedades decorrentes do que é dito, gerando consequências
para a interação que se impõem a todos os envolvidos. Além disso,
o fato de que o conhecimento que temos do mundo e o conhecimento que
temos da linguagem não podem ser isolados com nitidez um do outro
confirma a ideia de que compreender uma expressão significa saber de
que forma podemos nos servir dela, a fim de chegarmos a um
entendimento com alguém sobre algo.
Habermas (1990,
p. 83) analisa como, desde Hobbes, “multiplicaram-se as tentativas
visando explicar a formação de normas com pretensão de validez
obrigatória e intersubjetiva, as quais tomavam como base os
interesses e o cálculo individual das vantagens de atores que
casualmente se encontram e decidem de modo
racional-com-relação-a-um-fim”. As decisões de ação, por
exemplo, ao serem condicionadas por informações que correm através
do código “dinheiro”, excluem a necessidade de uma orientação
por meio das pretensões de validade: o ator, nesse caso, assume um
enfoque racional com relação a um fim, pois é orientado pelo
sucesso. Essa razão instrumental, localizada na racionalidade
teleológica dos portadores de decisão, também difere das
interações dirigidas por meios da teoria de sistemas de Parsons e
Luhmann, que acaba por defender uma razão funcionalista dentro de
sistemas autodirigidos. Como o aspecto central da teoria do sistema
é, justamente, a capacidade desses sistemas manterem seus limites,
ela rejeita o saber intuitivo do mundo da vida e dos seus membros,
enquanto Habermas acredita na busca por esse potencial de saber, uma
vez que:
a sociedade, tecida com as
malhas de interações mediadas linguisticamente, não aparece como
uma natureza exterior, acessível apenas à observação; o sentido
sedimentado em seus contextos simbólicos e auto-interpretações só
se abre à intervenção compreensiva da interpretação (HABERMAS,
1990, p. 84).
Por
outro lado, as experiências dos sujeitos quebram a rotina daquilo
que é auto-evidente e trazem coisas novas à consciência,
alimentando o risco de dissenso. O conceito de “mundo da vida” é
então introduzido por Habermas como complementar ao agir
comunicativo, sendo “responsável pela absorção dos riscos e pela
proteção da retaguarda de um consenso de fundo” (HABERMAS, 1990,
p. 86).
Husserl,
fundador da fenomenologia, elaborou o conceito de “mundo da vida”
dentro de sua investigação acerca do que é tido pelos sujeitos
como imediatamente familiar e inquestionavelmente certo,
estabelecendo como objeto de estudo os fenômenos “puros”
apreendidos pela consciência para buscar uma essência universal do
que é intuído no ato da percepção (EAGLETON, 2003). Em meio a uma
crise despertada pelas consequências das ciências modernas, Husserl
defendia um retorno ao que é concreto, que pode ser resumido pela
frase “de volta às coisas em si!”, bem como uma oposição às
idealizações do campo das ciências naturais. No entanto, na visão
de Habermas, não é possível escapar de idealizações, uma vez que
o mundo da vida é habitado pela tensão entre pressupostos
transcendentais e dados empíricos.
Através
das pretensões de validez criticáveis, o agir comunicativo de
Habermas impõe idealizações nas quais “se manifesta também a
força de resistência de uma razão comunicativa que opera
astutamente contra as deturpações cognitivo-instrumentais de formas
de vida modernizadas seletivamente” (HABERMAS, 1990, p. 88-89).
Essas idealizações se devem a uma competência linguística que os
falantes dispõem de modo pré-reflexivo, como um saber implícito,
referente à experiência imediata que absorve os riscos do dissenso.
Oriundo do mundo da vida, o saber-acerca-de-um-pano-de-fundo é
impossível de se trazer intencionalmente à consciência, como no
caso do saber-acerca-de-um-contexto (ou saber temático), que é
explícito e depende de idealizações. Por isso os dois entram em
conflito: no saber temático, o falante trata de contextos objetivos
e extrai informações e razões dentro do quadro de um ambiente
comum ou horizonte de vivências, que desempenha um importante papel
na estabilização da validez; por outro lado, o saber não temático
possui uma estabilidade maior por ser imune à pressão
problematizadora das experiências.
O
mundo da vida que serve de pano de fundo também é caracterizado por
fornecer a certeza imediata de modo implícito, pré-reflexivo e
impossibilitado de problematização, uma vez que só entra em
contato com pretensões de validez criticáveis ao ser pronunciado,
transformando-se assim em saber falível. Antes disso, o saber de
pano de fundo possui força totalizadora, e o emaranhado do mundo da
vida exerce sua faticidade formando uma totalidade de limites
indeterminados e, ao mesmo tempo, intransponíveis. É enraizado
nesse pano de fundo que aparece o saber acerca de um horizonte, pois
é a situação comum da fala que forma, antes de qualquer
objetivação, os espaços sociais e os tempos históricos: “O
espaço e o tempo vividos são sempre coordenadas de nosso respectivo
mundo, interpretadas ou encarnadas concretamente” (HABERMAS, 1990,
p.93).
A
partir das três características desse saber não temático, é
então explicada a função paradoxal do mundo da vida, que reside na
interação existente, no pano de fundo cultural, entre o saber
acerca do mundo e o saber acerca da linguagem. Pois o saber acerca do
mundo é adquirido a posteriori,
enquanto o saber acerca da linguagem é caracterizado por ser a
priori,
e a validade é exposta a julgamento somente dentro do contexto real
de uma comunidade de comunicação, quando extrapola os limites da
consciência do sujeito individual. É a força problematizadora das
experiências críticas que introduz uma separação entre o pano de
fundo do mundo da vida e o seu primeiro plano. Habermas afirma,
então, que a experiência se articula de modo a refletir o mundo da
vida na medida em que está ligada ao saber que serve de pano de
fundo e à constituição dos atos de fala, porque o próprio
conceito de “pano de fundo” só faz sentido com a adoção da
perspectiva de um falante que deseja se entender com um outro sobre
algo no mundo, e que se apoia na oferta da plausibilidade do seu ato
de fala sobre um saber não-temático, partilhado
intersubjetivamente.