A noção de identidade
formulada pelos pragmáticos e interacionistas simbólicos é
analisada por Stuart Hall no livro “A identidade cultural na
pós-modernidade” (2005), que a distingue, entre as concepções de
identidade do sujeito do Iluminismo e do sujeito pós-moderno, como
uma concepção de identidade do sujeito sociológico. O autor vê o
surgimento da noção do sujeito sociológico como um reflexo da
crescente complexidade do mundo moderno e da consciência de que o
ser humano não era o indivíduo centrado, autônomo e unificado
concebido pelo Iluminismo, mas sim que a sua identidade se formava na
relação com outras pessoas, que mediavam para o sujeito os valores,
sentidos e símbolos do mundo social. Entretanto, de acordo com Hall,
a visão sociológica clássica da questão ainda atribuiria ao
sujeito um núcleo ou essência interior – equivalente ao “I”,
para Mead –, que seria formado e modificado ao longo da vida desse
sujeito através de um diálogo contínuo com o mundo social. Por
meio desse diálogo, a identidade preencheria o espaço entre o
“interior” e o “exterior”, ou, em outras palavras, entre a
“subjetividade” e a “objetividade”:
O fato de que projetamos a
'nós próprios' nessas identidades culturais, ao mesmo tempo em que
internalizamos seus significados e valores, tornando-os 'parte de
nós', contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os
lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural (HALL,
2005, p. 12).
Por sua vez, a concepção
pós-moderna surgiria como o resultado de novas mudanças estruturais
e institucionais, que tornaram o sujeito fragmentado e composto por
múltiplas identidades, algumas até contraditórias entre si, sendo
que o próprio processo de identificação, através do qual as
identidades culturais são projetadas, também se tornou mais
provisório, variável e problemático. “A identidade torna-se uma
‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em
relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados
nos sistemas culturais que nos rodeiam”
(HALL, 2005, p. 13). De
forma simplificada, na pós-modernidade as identidades deixam de ser
unificadas em torno de um “eu” coerente e passam a ser vistas
como identificações descentradas, continuamente deslocadas. Ao
desarticular as identidades estáveis do passado, a pós-modernidade
possibilitaria a criação de novas identidades, bem como a produção
de novos sujeitos.
As consequências políticas
dessa noção pós-moderna são explicadas a partir do que Stuart
Hall chama de “jogo das identidades”, que está diretamente
relacionado aos novos movimentos sociais, como o feminismo e as lutas
negras, definidores uma nova base política cujas identificações
advém da “erosão da ‘identidade mestra’ da classe e da
emergência de novas identidades” (HALL, 2005, p. 21). O autor
explica que essa mudança de uma política de identidade para uma
política de diferença se deu a partir do momento em que a
identidade de classe social deixou de ser uma identidade singular e
abrangente, por meio da qual é possível basear uma política; ou
seja, como as pessoas não identificam mais seus interesses sociais
apenas em termos de classe, ela perde a função de dispositivo
discursivo ou categoria mobilizadora, através da qual os variados
interesses das pessoas podem ser reconciliados, e suas variadas
identidades, representadas. Logo, se a identidade muda de acordo com
a forma pela qual o sujeito é representado, isso significa que ela
pode ser “ganhada ou perdida”, nas próprias palavras de Hall.
Tanto a identidade do sujeito
sociológico quanto a identidade do sujeito do Iluminismo estão
localizadas na modernidade, e a passagem da primeira para a segunda é
explicada por meio de transformações nos processos da vida moderna,
que a princípio estavam centrados em um indivíduo visto como
racional, pensante e consciente, tal como o “sujeito cartesiano”.
Posteriormente, o indivíduo passou a ser definido no interior das
grandes estruturas:
(…) à medida em que as
sociedades modernas se tornavam mais complexas, elas adquiriam uma
forma mais coletiva e social. As teorias clássicas liberais de
governo, baseadas nos direitos e consentimentos individuais, foram
obrigadas a da conta das estruturas do estado-nação e das grandes
massas que fazem uma democracia moderna (HALL, 2005, p. 29).
Somando-se a isso o
surgimento da sociologia, emergia uma concepção mais social do
sujeito, que localizava o indivíduo em processos de grupo e nas
normas coletivas e implicava em uma “internalização” do
exterior no sujeito, bem como uma “externalização” do interior
desse sujeito através da sua ação no mundo social.
Quanto à identidade do
sujeito pós-moderno, Stuart Hall explica o descentramento final do
sujeito cartesiano a partir de cinco grandes avanços na teoria
social e nas ciências humanas durante o período da modernidade
tardia: os escritos de Marx; a descoberta do inconsciente por Freud;
o trabalho do linguista estrutural Ferdinand de Saussure; os estudos
do filósofo e historiador Michel Foucault; e, por fim, o impacto do
feminismo enquanto crítica teórica e movimento social.
O feminismo faz parte daquele
grupo de ‘novos movimentos sociais’, que emergiram durante os
anos sessenta (o grande marco da modernidade tardia), juntamente com
as revoltas estudantis, os movimentos juvenis contraculturais e
antibelicistas, as lutas pelos direitos civis, os movimentos
revolucionários do ‘Terceiro Mundo’, os movimentos pela paz e
tudo aquilo que está associado com ‘1968’ (HALL, 2005, p. 44).
Além de compor o mesmo
momento histórico, esses novos movimentos sociais possuíam diversos
aspectos em comum. De acordo com Hall, em todos eles as dimensões
“subjetivas” e as “objetivas” da política eram
simultaneamente afirmadas; eles enfatizavam e possuíam uma forma
cultural que favorecia a espontaneidade e os atos de vontade política
em vez das formas burocráticas de organização; os movimentos
refletiam o enfraquecimento da classe política e das organizações
políticas de massa associadas a ela, tendo como resultado a sua
fragmentação em movimentos sociais separados; e também foram eles
movimentos sociais que possibilitaram o surgimento do que veio a ser
conhecido como política de identidade, uma vez que cada um deles
apelava para a identidade social de seus sustentadores. A lógica de
“uma identidade para cada movimento” é exemplificada no fato de
que o feminismo apela às mulheres, a política sexual aos gays e às
lésbicas, e as lutas raciais aos negros.
Ao concluir o mapeamento das
mudanças conceituais sobre a identidade dos três sujeitos
inicialmente descritos, o autor ressalta que muitas pessoas não
aceitam as implicações desses desenvolvimentos do pensamento
moderno, porém, apesar disso, “poucas negariam agora seus efeitos
profundamente desestabilizadores sobre as ideias da modernidade
tardia e, particularmente, sobre a forma como o sujeito e a questão
da identidade são conceptualizados” (HALL, 2005, p. 46).