George Mead (Habermas e Adriano Duarte Rodrigues)

A teoria da comunicação concebida pelo filósofo pragmático e interacionista simbólico George Mead pode ser vista a partir de duas perspectivas: através de uma linha ontogenética – ou seja, ligada ao processo de formação dos indivíduos humanos – das teorias do significado, por meio da qual o sociólogo desenvolveu os conceitos fundamentais relacionados com objetos, normas e sujeitos; ou pelo desenvolvimento desses conceitos em uma linha filogenética, correspondente ao processo histórico de hominização, na qual Habermas (2012) identifica a existência de uma lacuna que ele complementa em “Teoria do Agir Comunicativo”. Ao abordar a teoria meadiana, Habermas enfatiza a passagem de uma interação baseada em sons e gestos para uma interação regulada por símbolos de significado idêntico, quando a humanidade desenvolve uma comunicação linguística imbuída de crescente complexidade, que envolve a negociação cotidiana das normas e valores sobre o que se considera verdadeiro e legítimo.
Por isso, seguir a linha ontogenética pode auxiliar na compreensão de questões como a importância da linguagem na construção da realidade, uma vez que para Mead os indivíduos são estruturados simbolicamente, e o conceito de experiência, que é tratado pelo filósofo do ponto de vista da sociedade. Adriano Duarte Rodrigues (2011) se concentra nesse conceito quando aborda o teórico, e defende a existência de uma relação indissociável da experiência com a comunicação, sendo esta última essencial para a ordem social por atuar na coordenação da ação dos indivíduos.
Nesse caso, o conceito de experiência compreende não só o conjunto de fenômenos vividos pelos seres humanos, mas também o conjunto de saberes interiorizados por eles ao longo da socialização. Paradoxalmente:
se, por um lado, é da vivência dos fenômenos que os seres humanos retiram os saberes da experiência, por outro lado, são esses saberes, uma vez interiorizados, que tornam possível a vivência desses fenômenos, uma vez que são esses saberes que constituem o quadro ou, se preferirmos, o contexto que delimita esses fenômenos e, deste modo, os torna relevantes e lhes dá sentido. (RODRIGUES, 2011, p. 29)
A experiência também tem a propriedade de dotar os seres humanos de competências para dar conta dos fenômenos vividos e dotá-los de sentido, bem como adotar os comportamentos adequados em diferentes circunstâncias e interagir uns com os outros, visando a intercompreensão e assegurando a coordenação dos comportamentos que são adotados quando realizam atividades em comum.
No processo específico que se desenrola ao longo da ontogênese, Adriano Duarte distingue duas etapas da interiorização, por parte de cada indivíduo, da experiência adquirida: a socialização primária é como costuma ser designada a etapa ao longo da qual o indivíduo interioriza as aptidões fundamentais; já o processo de interiorização de competências posteriores, que pressupõem as aptidões fundamentais adquiridas ao longo da socialização primária, corresponde ao que habitualmente é designado por socialização secundária. Enquanto as competências adquiridas ao longo da socialização primária fornecem ao ser humano a constituição do seu mundo próprio, suas regras, normas e condicionamentos, a socialização secundária é o processo que se desenrola ao longo de toda a existência do indivíduo, complementando a sua estruturação. A aprendizagem e a interiorização das competências são o que o habilitam a ajustar seus comportamentos às identidades que vai assumir e aos diferentes papéis que vai desempenhar ao longo da sua existência” (RODRIGUES, 2011, p. 33)Dessa forma, a experiência se apresenta como um conjunto de saberes e de normas de comportamento que se impõem aos indivíduos – sendo estes pertencentes a uma mesma comunidade do mundo vivido ou comunidade de reconhecimento –, com a força do bom senso, através da interiorização de modos de ser e de fazer.
Enfim, a constituição da experiência e os seus efeitos são de natureza social por dependerem da interação dos seres humanos com o mundo, e a representação dos fenômenos é um processo de objetivação simbólica, que utiliza conjuntos de símbolos cuja principal fonte é a linguagem. Rodrigues também conclui que a experiência consiste naquilo que Pierre Bourdieu chama de habitus; uma disposição adquirida que é vista como se fosse natural por já constituir a experiência naturalizada do mundo dos indivíduos, formando suas identidades através de modos de ser e de agir.
Habermas, ao revisar George Mead, considera-o um dos pais fundadores da sociologia moderna, junto a Weber e Durkheim, pelo fato de fundamentá-la em uma teoria da comunicação, e explica o surgimento da teoria meadiana como posterior ao momento em que outras duas teorias – a filosofia da linguagem analítica e a psicologia do comportamento – desistem da busca por um acesso direto aos fenômenos da consciência, no início do século XX. Essas teorias substituíram o autoconhecimento, a reflexão e a introspecção por procedimentos menos intuitivos, através de análises cujo objetivo consistia em expressões linguísticas e comportamentos observáveis, abertos a um exame intersubjetivo. E além de serem críticas à filosofia da consciência, que se baseava em um modelo “sujeito-objeto”, ambas têm sua origem comum no pragmatismo de Charles Peirce, responsável por lançar as bases da teoria consensual da verdade, negando a busca positivista por uma verdade absoluta que separava o que é apreendido objetivamente daquilo que os indivíduos apreendem subjetivamente.
Porém, enquanto a teoria psicológica da aprendizagem se manteve nos limites de uma metodologia objetivista, a análise da linguagem se apropriou dos procedimentos de reconstrução racional de um saber sobre normas, usuais na lógica e na linguística. Aos poucos, ela
se libertou das limitações dos seus inícios dogmáticos, reconquistando a complexidade dos problemas levantados por Peirce. Isso pode ser notado tanto na linha teórica que tem início em Carnap e Reichenbach, passando por Popper e chegando à epistemologia pós-empírica, como na linha que parte do primeiro Wittgenstein, passa pelo segundo Wittgenstein e por Austin, culminando na teoria dos atos de fala (HABERMAS, 2012, p. 6).

As duas tradições foram se distanciando uma da outra e se tornaram independentes, sendo que a teoria da comunicação de Mead, mais tarde, configura um ponto de intersecção entre elas. O modelo seguido por ele, no entanto, rejeita o individualismo metódico e o objetivismo da teoria comportamental, preferindo se concentrar na interação, em que dois organismos interagem e se comportam um com o outro, considerando-a parte de uma atividade grupal complexa. Assim, ao analisar os “fenômenos da consciência sob o ponto de vista de sua formação, que tem origem em estruturas da interação mediada pela linguagem e pelos símbolos” (HABERMAS, 2012, p.7-8), sua teoria de comunicação converge com a análise da linguagem.
Por não ser reducionista, o conceito de linguagem adotado por Mead ainda se torna capaz de unir a análise da linguagem e a teoria do comportamento: sua teoria da comunicação não se limita a atos de entendimento, mas abrange ainda o agir comunicativo, no qual a linguagem – vista como símbolos linguísticos e logomórficos – coordena as atividades orientadas por fins dos diferentes sujeitos da ação, e é um meio da própria socialização dos sujeitos da ação.
Além disso, o interacionista simbólico delineia um conceito de comportamento que não se limita a uma mera ação observável, incluindo também o comportamento orientado por símbolos e a reconstrução de estruturas gerais mediadas pela linguagem:
A psicologia social é behaviorista no sentido de que tem início em uma atividade observável, isto é, no processo social dinâmico e nas ações sociais que o constituem. Mesmo assim, ela não é behaviorista no sentido de ignorar a experiência interna do indivíduo, isto é, a fase interna desse processo ou dessa atividade (MEAD apud HABERMAS, 2012, p. 9).
Dessa forma, o sentido que é incorporado em uma ação social aparece como não exterior ao comportamento ao mesmo tempo em que não se limita à interioridade, como no caso dos fenômenos da consciência. O sentido passa a constituir algo objetivado em manifestações simbólicas, acessíveis publicamente, por meio de indícios que se explicitam através de atitudes e posicionamentos, especialmente aqueles que estão ligados à linguagem.
Voltando ao desenvolvimento dos conceitos em uma linha filogenética, a primeira tarefa assumida por Mead foi a apreensão das características estruturais da interação mediada por símbolos, pois ele acreditava que os símbolos possíveis de serem utilizados com significado idêntico possibilitariam uma forma de comunicação revolucionária. Por isso a linguagem mediante gestos, que se difunde em sociedades desenvolvidas de animais vertebrados, constituiria o ponto de partida de uma evolução da linguagem dividida em duas etapas, na qual a primeira abrange uma linguagem mediante sinais simbólicos, e a segunda abrange a fala diferenciada em proposições.
A lacuna identificada por Habermas na teoria da comunicação de George Mead está na passagem da etapa da interação gestual para a etapa da interação simbólica, que teria sido explicada por meio de um mecanismo caracterizado como “aceitação da atitude do outro”, ainda preso ao modelo da filosofia da consciência. Nele, Mead concebe o mecanismo de internalização da aprendizagem, introduzido por Piaget e Freud – “o primeiro no sentido de uma ‘interiorização’ de esquemas de ação e o segundo no sentido de uma ‘internalização’ de relações estabelecidas com um objeto social ou com uma pessoa de referência” (HABERMAS, 2012, p.19-20) –, como uma “intimização” de estruturas de sentido objetivas. No entanto, de acordo com essa explicação, a modificação da estrutura da interação não possibilitaria ir além do modelo “sujeito-objeto” da filosofia da consciência, proporcionando somente a emergência de uma autorrelação refletida em si mesma ou de uma subjetividade de nível superior.
Para sanar essa lacuna e superar o modelo da filosofia da consciência, Habermas sugere a emergência de uma forma de vida superior que torna possível o agir comunicativo, pois sua principal característica é uma intersubjetividade ancorada na linguagem:
De outro lado, porém, uma subjetividade de ordem superior, que se relaciona consigo mesma de modo mediato, isto é, por meio de relações complexas com outros, modifica toda a estruturação da interação. Quanto mais complexas as atitudes do 'outro', que os participantes da interação assumem 'em sua própria experiência', tanto mais se desloca aquilo que os une preliminarmente em virtude de características sistêmicas, ou seja: passa-se do plano de uma intersubjetividade produzida pelas vias da comunicação, condensada num meio configurado por símbolos linguísticos e assegurada mediante uma tradição cultural (HABERMAS, 2012p. 20-21).

Assim, a regulação por via dos instintos vai sendo substituída, aos poucos, pela regulação por meio da comunicação linguística e da tradição cultural, que se dá por meio da internalização dos padrões de relacionamento regulados objetivamente.
Para não recair no modelo da filosofia da consciência, Habermas busca explicar a adoção de atitudes através do significado que a ação adquire para outros participantes da ação. Isso porque a ideia meadiana, segundo a qual um dos participantes da ação assume a atitude do outro, não torna possível reconstruir o surgimento da linguagem de sinais a partir da linguagem de gestos, pois não deixa claro o modo como os sinais logomórficos, resultantes de quando um dos participantes assume adiantadamente a atitude com que o outro irá reagir à sua própria, são capazes de produzir gestos fônicos com significado idêntico.
A adoção da atitude do outro constitui um mecanismo observável inicialmente na reação comportamental de um outro perante o gesto do primeiro. A seguir, ele se estende aos demais componentes da interação. A partir do momento em que o primeiro organismo aprendeu a interpretar o próprio gesto do mesmo modo que o outro organismo, ele não pode mais deixar de produzir seu gesto na expectativa de que ele venha a ter determinado significado para o segundo organismo. Tal consciência, no entanto, modifica a atitude de um organismo em relação ao outro. (HABERMAS, 2012, p. 26-27)

Se o outro passa a ser visto como um objeto social que reage ao próprio gesto e, através dessa reação comportamental, exibe uma interpretação desse gesto, sua reação não se dá apenas de modo adaptativo como pensava Mead. Por sua vez, o segundo organismo “enfrenta o primeiro como intérprete do próprio comportamento, isto é, sob um conceito modificado. Isso faz com que se modifique também a atitude com relação a ele próprio” (HABERMAS, 2012. p. 26-27). E se o primeiro organismo se comporta, em relação ao outro, como um destinatário que interpreta o gesto que lhe é dirigido de uma certa maneira, isso significa que ele produz seu gesto com uma intenção comunicativa. Ao supor que isso vale para o segundo organismo, surge uma situação em que o mecanismo da internalização pode ser aplicado à atitude, uma vez que os organismos endereçam os gestos um ao outro e isso não ocorre mais de modo meramente adaptativo. A partir do momento em que essa atitude é internalizada, levando o primeiro a se dirigir ao outro, os organismos aprendem a desempenhar os papeis comunicativos do falante e do ouvinte, se relacionando entre si como um ego que dá a entender algo a um alter ego.
O significado idêntico passa a ser possível quando o ego sabe como o alter teria de reagir a um gesto significativo, não bastando manter a expectativa de que o alter irá reagir de determinada maneira. E após a adoção de atitudes, o ego pode apenas prognosticar em que sentido o alter, caso entenda o sinal, irá agir. Mas a expectativa prognosticadora do ego em relação ao alter pode falhar e, caso seu desapontamento ao ser surpreendido com uma reação inesperada do alter seja externalizado, a reação do ego se deverá a uma comunicação malsucedida e não aos efeitos indesejáveis oriundos do comportamento do alter. Uma nova situação surge ao considerar que o mesmo vale para o caso do alter, e dessa forma o mecanismo de externalização pode ser aplicado às tomadas de decisão recíprocas mediante as quais o ego e alter expressam desapontamento diante de mal-entendidos.
As regras para a utilização de símbolos são criadas à medida que cada um assume, em si mesmo, a atitude crítica do outro diante da interpretação fracassada de um ato comunicativo. A partir daí, ambos podem deliberar previamente se, em determinadas situações, “pretendem utilizar um gesto revestido de significado de modo que o outro não tenha motivos para uma tomada de posição crítica” (HABERMAS, 2012, p. 28-29). Assim é explicada a formação das convenções de significados e símbolos que podem ser empregados com significado idêntico, considerando ainda que, de acordo com Mead, o ponto decisivo para a comunicação é a capacidade de um símbolo produzir, em um indivíduo, a mesma coisa que produz em outro indivíduo; ou seja, o símbolo tem de demonstrar a mesma universalidade para cada pessoa que se encontra na mesma situação.
Aos poucos, com a internalização dos padrões de relacionamento regulados objetivamente, a regulação pela via dos instintos vai sendo substituída pela regulação através da comunicação linguística e da tradição cultural. E como o significado constante do mesmo símbolo tem de ser reconhecível pelos próprios usuários do símbolo, Mead busca reconstruir a comunidade linguística das relações intersubjetivas que se estabelecem entre os participantes de uma interação, exigindo uma identidade dos significados. Essa identidade, no entanto, só pode ser garantida mediante a validade intersubjetiva de uma regra, que determina “convencionalmente” o significado de um sinal. Nesse ponto, o comportamento que a passagem para a interação mediada por símbolos constitui não é somente regido por regras, mas também pode ser explicado em termos de uma orientação por convenções de significado.
Para interpretar os resultados da teoria meadiana sobre o significado, Habermas lança mão das pesquisas de Wittgenstein sobre o conceito de “regra”, visando explicar as relações existentes entre significado idêntico e validade intersubjetiva, ou seja, entre a observância da regra e a tomada de posição crítica mediante um sim/não perante transgressões da regra, e também delinear com mais precisão a proposta de Mead quanto à gênese lógica de convenções de sentido.
Considerando que as regras determinam o modo pelo qual as coisas são produzidas, e que o elemento geral constituinte do significado de uma regra pode ser representado por meio de exemplos de vários tipos de ações, torna-se possível explicar o sentido de uma regra lançando mão de exemplos. Ao mesmo tempo, são “as regras que se aplicam ao exemplo, que fazem dele um exemplo” (WITTGENSTEIN apud HABERMAS, 2012, p.33). Por conta disso, a própria regra também pode servir para esclarecer o significado dos exemplos, e a compreensão de uma ação simbólica caminha junto com a competência de seguir uma regra. Seguindo esse raciocínio, o conceito de competência no uso de uma regra sugere que a capacidade de seguir uma regra pode revelar o que se entende por “identidade” de um significado:
Significados simbólicos constituem ou fundam a identidade do mesmo modo que as regras, as quais geram a unidade na multiplicidade de suas incorporações exemplares e na variedade de suas diferentes realizações e preenchimentos. Os significados valem como idênticos graças a uma regulamentação convencional. (HABERMAS, 2012, p. 34-35)

A diferença entre a “identidade” de um significado e a “identidade” de um objeto consiste no fato de que, no caso do objeto, este pode ser identificado por vários observadores mediante descrições distintas, pressupondo a compreensão de termos singulares. Já os significados simbólicos, para valer como idênticos, implicam uma regulamentação convencional, e o sentido de “regra” implica, por sua vez, a constância e a uniformidade daquilo em que o indivíduo baseia sua orientação comportamental. Mas nem toda falta de uniformidade indica que uma regra está sendo infringida, já que a própria constatação do desvio implica a existência da regra, e somente a partir do momento em que se tem conhecimento dela o comportamento não-uniforme pode ser caracterizado como uma violação.
Consequentemente, Habermas conclui que a identidade de uma regra não pode ser reduzida a regularidades empíricas, pois depende da validade intersubjetiva, na qual os sujeitos que orientam seu comportamento por regras podem se desviar delas, assim como criticar seu comportamento desviante como infração de uma regra. E como um sujeito não pode ter certeza de seguir realmente uma regra sem se encontrar em uma situação na qual possa expor seu comportamento a uma crítica de outro sujeito, em princípio suscetível de consenso, cabe lembrar o argumento de Wittgenstein segundo o qual “é impossível para um sujeito seguir uma regra feita somente para ele”. Dessa forma, o filósofo demonstra a existência de um nexo sistemático entre a identidade e a validade de regras.
A identidade da regra na variedade de suas realizações não repousa em invariantes observáveis, mas na intersubjetividade de sua validade. E, dado que as regras valem de modo contrafático, existe a possibilidade de criticar o comportamento regido por regras e de avaliá-lo como bem sucedido ou faltoso. (HABERMAS, 2012, p. 35-36)
Enfim, não seria possível assegurar a identidade das regras se não houvesse a possibilidade da crítica recíproca e do esclarecimento recíproco; portanto, para que um sujeito possa seguir uma regra, ela tem de ser válida para, pelo menos, dois sujeitos. A identidade do símbolo, cuja regulamentação depende das convenções de significado e, portanto, caracteriza-se pela impossibilidade de o símbolo ter um significado completamente idêntico, consiste para Habermas no maior fator de estímulo para o desenvolvimento da complexidade normativa da sociedade humana. Essa permanente ambiguidade da linguagem é que exige das pessoas, nas suas conversações, uma negociação intersubjetiva constante para garantir o consenso mínimo necessário ao entendimento comunicacional, o que pode ficar ainda mais claro no exemplo do “politicamente correto”: o movimento pressupõe que uma série de símbolos possui, intrinsecamente, uma conotação negativa que na realidade foi historicamente atribuída a eles, e defende que o uso dessas palavras consideradas discriminatórias seja vetado. Faz parte da negociação intersubjetiva a proposta de não utilizar mais essas palavras, desde que se parta do entendimento de que elas são símbolos perpetuadores de preconceitos, pois caso não haja o consenso mínimo necessário para isso, o “politicamente correto” sequer é reconhecido e validado enquanto movimento.
Ainda sobre Mead, Habermas observa que ele passou abruptamente do agir mediado por símbolos para o agir regulado por normas, sem separar nitidamente o nível da interação através de símbolos do nível superior da comunicação mediada por uma linguagem diferenciada, mas distinguindo um tipo de interação situado em um nível mais organizado, no qual se constata um agir mediante papéis. Assim, ele acabou se descuidando da linha que leva a uma comunicação linguística diferenciada em termos proposicionais, com sistemas linguísticos cuja característica principal é a existência de uma gramática, que estabelece relações complexas entre os símbolos, e cujos “conteúdos semânticos se desprendem do substrato dos significados naturais, a tal ponto que as formas fônicas e os sinais podem variar independentemente das características semânticas” (HABERMAS, 2012, p. 44-45).
As dificuldades da teoria meadiana podem ser sanadas com uma distinção mais acurada entre três aspectos da linguagem, que pode ser tida, simultaneamente, como meio do entendimento, meio da coordenação da ação e meio da socialização dos indivíduos. Após Mead demonstrar que os símbolos surgem de gestos e que os significados naturais se transformam em convenções de significados – ou seja, significados válidos intersubjetivamente –, torna-se necessário impor uma reestruturação conceitual das relações entre os participantes da interação, como Habermas argumenta, por meio dos papeis comunicativos de falante e de ouvinte, em que os participantes aprendem a distinguir entre atos de entendimento e ações orientadas por consequências. No entanto, mesmo que para Mead a estrutura de socialização continue coincidindo com a nova estrutura do entendimento, proporcionada pelos símbolos, Habermas aponta que isso não acontece no desenvolvimento posterior, pois ele fica restrito ao processo de formação que acontece pelo canal da linguagem, do qual resultam a identidade social, os organismos socializados e as instituições sociais. Para Mead, a socialização é a constituição do si mesmo (“I”) mediante a linguagem, e tal construção do mundo interno é explicada, como feito anteriormente, pelo mecanismo da adoção de atitudes. Já para Habermas, a formação de identidades (“ME”) e o surgimento de instituições devem ser pensadas a partir da suposição de que o contexto não linguístico das disposições comportamentais e o esquema de comportamento já estão estruturados simbolicamente, impregnados pela linguagem.
E nisso a linguagem funciona como meio não do entendimento e da transmissão do saber cultural, mas da socialização e da integração social. Estas se realizam mediante atos de entendimento, é verdade, porém não se sedimentam num saber cultural, e sim nas estruturas simbólicas do si mesmo e da sociedade, em competências e padrões de relacionamento. (HABERMAS, 2012, p. 47)


Em uma análise da passagem do modo instintivo e pré-linguístico de controle da interação para um modo de controle dependente da linguagem e vinculado culturalmente, a fim de explicar o novo mecanismo de coordenação da ação, Habermas sugere a existência de dois caminhos: ou o de uma teoria da comunicação, pois no agir comunicativo o entendimento por meio da linguagem passa a ser o principal mecanismo de coordenação da ação; ou o caminho de uma teoria social ou sociopsicológica, que foi o escolhido por Mead.
Seguindo o primeiro caminho, escolhido por Habermas, as pretensões de validade são tidas como criticáveis porque um ouvinte pode questionar sua manifestação em três dimensões distintas, seja ela tomada como uma constatação, uma expressão de sentimentos ou uma ordem. Assim é possível questionar sua verdade, sua veracidade ou sua legitimidade, respectivamente. No agir comunicativo, sob os pressupostos de um agir orientado pelo entendimento,
as pretensões de validade não podem ser aceitas ou rejeitadas sem uma razão, as tomadas de posição do alter perante a oferta do ego contêm um momento de intelecção, que as libera da esfera do simples arbítrio, do condicionamento ou da adaptação – pelo menos é assim que os participantes veem as coisas. (HABERMAS, 2012, p. 50-51)


Habermas argumenta que, quando os participantes da ação levantam, mediante seus atos de fala, pretensões de validade daquilo que é emitido, também alimentam a expectativa de busca por um consenso racionalmente motivado, que lhes permita coordenar seus planos e suas ações sem a necessidade do uso de coações para influenciar o outro, nem de apoio na perspectiva de recompensas. Porém essa visão da linguagem como meio de entendimento é negligenciada por Mead, que se concentra na linguagem como meio de coordenação da ação e da socialização, quando analisa separadamente a constituição de um mundo de objetos perceptíveis e manipuláveis e, de outro, o surgimento de normas e identidades.
Nessa análise, a identidade de uma criança é formada à medida que ela se torna capaz de participar de interações mediadas por normas, delimitando seu mundo subjetivo em uma relação complementar com o mundo social. A fim de reconstruir a passagem da interação mediada simbolicamente para uma interação regida por normas, Habermas considera desigual o tratamento que Mead dá às três raízes pré-linguísticas da força ilocucionária dos atos de fala, e defende que a capacidade de o falante dispor de termos singulares para se referir a objetos, que se encontram longe da situação de fala, para reproduzir estados de coisas independentemente do contexto, foi um dos meios que tornou possível um uso da linguagem capaz de transcender a situação. De forma semelhante ao que foi desenvolvido anteriormente sobre os atos de fala, Habermas estabelece que há dois tipos de proposições, priorizadas pela semântica formal, que pressupõem um conceito de mundo objetivo como a totalidade de estados das coisas existentes: as proposições categóricas ou assertóricas e as proposições intencionais. Ambas “exprimem a organização linguística da experiência e do agir de um sujeito que se refere a algo no mundo assumindo um enfoque objetivador” (HABERMAS, 2012, p. 53-54). Enquanto as proposições assertóricas exprimem a opinião do falante, as proposições intencionais exprimem a intenção do falante de realizar uma ação; por sua vez, as assertóricas podem ser verdadeiras ou falsas e possuem uma relação com a verdade que manifesta um conhecimento do falante, enquanto no caso das intencionais essa relação com a verdade depende da viabilidade e da eficiência da ação intencionada.
Se à medida que os participantes da interação dispõem, através da linguagem, de um mundo objetivo ao qual se referem por meio de proposições ou no qual podem agir visando um fim, suas ações já não podem mais ser coordenadas mediante sinais, isto se deve ao fato de que os sinais possuem uma força capaz de reger o comportamento em contextos limitados. No entanto, por meio de um emprego assertórico da linguagem, os atos comunicativos adquirem a força de coordenar ações mediante um consenso motivado racionalmente, delineando uma alternativa para a coordenação da ação apoiada em regulações instintivas.
Já as proposições intencionais não visam diretamente um fim comunicativo, sendo que o anúncio da ação, ou seja, o aviso de suas consequências positivas ou negativas, permite ao ouvinte tirar suas próprias conclusões. Uma proposição intencional também é a resposta afirmativa a um imperativo, ao qual poderia ser respondido com um “sim” ou com um “não”, dependendo da realização da ação. Isso demonstra que, ao lançar mão de imperativos, o falante não se vincula a nenhuma pretensão de validade, que poderia ser criticada ou defendida pelo uso de argumentos, pois se trata somente de uma pretensão de poder, sem ter como objetivo um acordo racionalmente motivado. Habermas conclui que, quando a linguagem de sinais já não consegue coordenar as ações, a regulação mediante normas passa a ser entendida como a solução do problema.
Para explicar a aquisição da competência de agir conforme papeis, Mead utiliza mais uma vez o mecanismo da atitude de um outro em relação a si mesmo, analisando a construção de um mundo social comum na perspectiva de uma criança A, que entende os avisos e imperativos de uma pessoa de referência B, que por sua vez já possui a competência de agir conforme papeis que a criança A precisa adquirir. Dentro de um jogo competitivo, por exemplo, a criança tem de ter em si mesma a atitude dos outros participantes que estão organizados em torno de uma certa unidade, e dessa forma é descoberto um “outro” (o outro generalizado) que resulta da organização das atitudes de todas as pessoas inseridas no mesmo processo. Se no início a criança consegue assumir uma atitude após a outra, com o tempo ela também será capaz de coordená-las; e assim vai sendo construído o mundo social infantil. “A obediência a imperativos exige não somente as realizações cognitivas e sociais, mas também disponibilidades para a ação, pois se trata da estruturação simbólica de disposições de comportamento” (HABERMAS, 2012, p. 63).
É essa progressiva apropriação moral e sociocognitiva da estrutura de papéis que permite a regulação legítima das relações interpessoais. Pois, seguindo o caminho da estruturação simbólica de suas orientações da ação e disponibilidades para a ação, a criança A cria uma identidade objetivada (“ME”) enquanto participante de um grupo social, e nesse momento surge a realidade institucional, que independe do ator individual.
Os padrões de comportamento socialmente generalizados correspondem às normas que concedem a cada um assumir o lugar de A e de B. Assim, a criança A só poderá formar o conceito de um padrão de comportamento socialmente generalizado quando adotar a atitude do outro na forma de um outro generalizado, pois enquanto os padrões não abrangerem todos os membros de um grupo, eles só terão validade nas situações em que A e B se defrontam. Para Mead, a reação comum de todos os membros da comunidade perante determinada situação pode ser definida como uma instituição, o que torna possível, por exemplo, que os indivíduos assumam as atitudes de órgãos encarregados da proteção da propriedade porque estes fazem parte de um processo organizado, pois assim também é assumida a atitude do outro generalizado.
Após adquirir a capacidade generalizada de participar de interações reguladas por normas, a criança consegue se referir às instituições com enfoque objetivador. No entanto, se não tivesse adotado a atitude de suas pessoas de referência, o que lhe permite obedecer normas ou infringi-las, a criança não poderia entender o significado da palavra “instituição”. E uma vez que o si mesmo (“I”) constitui uma estrutura que se forma na experiência social, as próprias disposições comportamentais da criança são reorganizadas. Além de construir um mundo social, a passagem para a interação regulada por normas possibilita a estruturação simbólica de motivos de ação, o que se apresenta, no processo de socialização, como a formação de uma identidade.