A teoria dos atos de fala é uma das bases nas quais Habermas apoia o desenvolvimento do seu conceito de agir comunicativo. Em “Pensamento pós-metafísico” (1990), ele define que, para estabelecer entendimento entre os falantes, os atos de fala precisam da cooperação e assentimento de um destinatário,
pois diferente das ações orientadas para um fim que realizam um
plano de ação pelo qual o ator domina a situação, o sucesso do ato ilocucionário como coordenador de uma ação só pode
ser executado por um ator de modo interativo, com o auxílio ou
omissão de outro ator. De modo a compreender melhor como a ação e
a linguagem estão vinculadas – sendo consideradas ações tanto o
agir quanto o falar, em um sentido amplo – e também para realçar
as diferenças entre elas, Habermas escolhe dois modelos diferentes
de descrição: ele classifica como atividades orientadas para um fim
aquelas que não são linguísticas, ou seja, nas quais o ator
emprega os meios adequados para realizar o fim pretendido, e como
atos de entendimento aquilo que o falante profere quando pretende
chegar a um entendimento com um outro falante sobre algo no mundo. Estes são os atos ilocucionários: do latim in = dentro e locutio = discurso, ou seja: o ato ilocucionário é o que se faz quando se fala.
Enquanto
a atividade não linguística não revela a partir de si mesma o modo
como foi planejada, os atos de fala conseguem preencher essa
condição, revelando a intenção do falante. E por possuírem uma
estrutura autorreferencial, as ações linguísticas interpretam-se
por si mesmas: “Segundo Austin, ao dizermos algo, fazemos algo,
implica a recíproca: ao realizarmos uma ação de fala dizemos
também o que fazemos” (HABERMAS, 1990, p. 67). Assim os atos de
fala se distinguem das atividades não-linguísticas tanto pela sua
autointerpretação, quanto pelo tipo de fins que podem ser visados e
o tipo de sucessos que podem ser conseguidos.
Além
de possuírem uma estrutura reflexiva (pois interpretam a si mesmos), os atos de fala visam fins que “só
podem ser explicados pelo recurso à ideia de entendimento que habita
no interior do próprio meio linguístico” (HABERMAS, 1990, p. 69),
uma vez que o sucesso ilocucionário depende do assentimento
racionalmente motivado do ouvinte através do reconhecimento de uma
pretensão de validez criticável. Desse modo, os fins ilocucionários
dependem dos meios linguísticos de entendimento para serem
definidos, e só podem ser atingidos por meio da cooperação. Para
Habermas, a atividade que visa fins e o agir orientado para o
entendimento consistem em tipos elementares de ação, irredutíveis
uma à outra e não intercambiáveis, pois a racionalidade de
cada uma não demanda as mesmas condições para ser bem-sucedida.
O
autor observa, limitando-se às interações mediadas pela linguagem,
que os tipos de ação do agir e do falar encontram-se ligados um ao
outro, e descreve uma ação orientada para um fim como a realização
de um plano de ação por meio do qual a situação é dominada e
então forma uma parte do mundo ambiente interpretado pelo ator.
Esse recorte constitui-se à
luz das possibilidades de ação que o ator considera relevantes
tendo em vista o sucesso de um plano. O problema da coordenação
coloca-se a partir do momento em que o ator só pode executar o seu
plano de ação de modo interativo, isto é, com o auxílio (ou
mediante a omissão de auxílio) de pelo menos um outro ator
(HABERMAS, 1990, p. 70-71).
É
do modo de Alter
conectar os seus planos e ações aos planos e ações do Ego
que resultam os diferentes tipos de interações mediadas
linguisticamente: o agir estratégico e o agir comunicativo. As
interações distinguem-se, em primeiro lugar, de acordo com o
mecanismo de coordenação da ação, sendo que o agir estratégico
utiliza a linguagem apenas como meio para a transmissão de
informações, enquanto o agir comunicativo a utiliza, além disso,
como fonte da integração social. No caso do agir comunicativo,
ainda é necessário alcançar um consenso em relação ao
entendimento linguístico para que seja possível coordenar a ação,
enquanto no agir estratégico isso depende da influência dos atores
uns sobre os outros e sobre a situação da ação, o que induz seus
comportamentos por meio de atividades não linguísticas. Os dois
mecanismos – o do entendimento motivador da convicção e o da
influenciação que induz o comportamento – são mutuamente
excludentes, pois aquilo que é obtido através de intervenções,
como gratificação ou ameaça, que ferem as condições pelas quais
as forças ilocucionárias despertam convicções, não vale
intersubjetivamente como acordo.
Portanto, dentro do conceito de agir comunicativo os atos de fala devem fazer um uso da linguagem dirigido ao entendimento,
apoiando a coordenação bem-sucedida da ação em uma força
racionalmente motivadora – uma racionalidade que se manifeste nas
condições para obter um acordo comunicativamente –, e não em uma
racionalidade visando os fins dos planos individuais de ação. Todos
os fins e efeitos que vão além do compreender e do aceitar de ações
de fala são vistos por Habermas como sucessos perlocucionários,
enquanto o compreender e o aceitar de ações de fala são
caracterizados como sucessos ilocucionários. O agir comunicativo faz uso da
linguagem para tentar objetivos mediatos de definição da situação
e da escolha dos fins, desse modo a validade intersubjetiva do ato de fala depende do entendimento estabelecido entre os falantes e
ouvintes para alcançar o consenso e a integração social.
O entendimento através da
linguagem funciona da seguinte maneira: os participantes da interação
unem-se através da validade pretendida de suas ações de fala ou
tomam em consideração os dissensos constatados. Através das ações
de fala são levantadas pretensões de validade criticáveis, as
quais apontam para um reconhecimento intersubjetivo. A oferta contida
num ato de fala adquire força obrigatória quando o falante garante,
através de sua pretensão de validez, que está em condições de
resgatar essa pretensão, caso seja exigido, empregando o tipo
correto de argumentos (HABERMAS, 1990, p. 72-73).
Habermas afirma que o uso
estratégico vive parasitariamente do uso normal, pois só pode
funcionar quando pelo menos uma das partes considera que a linguagem
está sendo utilizada no sentido de entendimento. Por outro lado,
quando os atores se orientam pelas condições de uso da linguagem
voltada ao entendimento, isto implica uma mudança de perspectiva:
“os atores têm de abandonar o enfoque objetivador de um agente
orientado pelo sucesso, que deseja produzir algo no mundo, e assumir
o enfoque performativo de um falante, o qual procura entender-se com
uma segunda pessoa sobre algo no mundo” (HABERMAS, 1990, p. 74). Se
no agir manifestamente estratégico os atos de fala perdem sua força
ilocucionária, ou seja, seu papel de coordenação da ação,
ficando suscetíveis a influências externas à linguagem, pode-se
dizer que as condições de validade normativa foram substituídas
por condições de sanção, e as pretensões de validez, por
pretensões de poder. A partir do momento em que deixam de visar a
tomada de posição racionalmente motivada de um destinatário, até
mesmo os atos ilocucionários podem desempenhar uma função
instrumental em contextos de agir estratégico.