Atos de fala (Wittgenstein, Searle, Austin)

De acordo com Armengaud (2008), Wittgenstein foi responsável pela substituição do paradigma da expressividade pelo da comunicabilidade, pois:
1) não há, de um lado, o pensamento e, de outro, a linguagem: eles são indissociáveis e geram um ao outro, simultaneamente;
2) não há uma linguagem própria ao indivíduo, uma "linguagem privada" traduzida posteriormente em linguagem pública: a linguagem é constitutivamente pública. Falar é seguir regras, e só é possível seguir uma regra como atividade publicamente controlada, no exercício da comunicação (! link pra Habermas).
Ele também ressalta a importância do uso: "O que dá vida ao signo? É no uso que ele vive. Ele tem em si o sopro da vida? Ou o uso é seu sopro?".

O primeiro Wittgenstein, que em 1918 escreveu o Tractatus logico-philosophicus, levava em consideração apenas a função representativa da linguagem, e só admite os enunciados como suscetíveis de ser verdadeiros ou falsos, ou seja, de entrar no quadro da lógica proposicional. Mais tarde, o filósofo descobre o caráter central da noção de uso, ao mesmo tempo em que a riqueza e a diversidade dos usos concretos. O segundo Wittgenstein, autor das Investigações filosóficas, é visto como um dos promotores da filosofia da linguagem comum, e sua influência contribuiu para dar crédito às pesquisas conduzidas por Austin e, mais tarde, Searle.

Wittgenstein ainda critica a teoria subjetivista e mentalista do significado; o pensamento não é mais algo de interior ao sujeito, que seria necessário traduzir em palavras para exteriorizar. Por fim, ele sugere que a intenção primeira da linguagem não é de compreensão ou de representação, mas sim o exercício de uma influência efetiva de uns sobre os outros.

A expressão escolhida por ele para designar esse ambiente complexo no qual as mensagens adquirem sentido é "jogo de linguagem", tendo em vista que um jogo é essencialmente uma atividade regulada e partilhada, e é também uma "forma de vida", como ele explica no parágrafo 23 de Investigações:



Essa lista de "jogos de linguagem" é ilimitada, pois eles são tão abundantes quanto as formas de vida e tão prolíficos quanto a inventividade humana. Além disso, apesar de existir uma "explicação" do que são os jogos de linguagem, não há conceito que os defina. Wittgenstein não pôde sair da simples descrição, motivo pelo qual Searle o critica e elabora sua própria teoria dos atos de fala.

O objetivo de Searle, ao desenvolver suas teses em torno da controvérsia de sentido literal e contexto nulo, era questionar a ideia segundo a qual é possível conceber, para qualquer frase, o seu sentido literal, independentemente de qualquer contexto. No lugar disso, ele sustenta que o sentido literal não é inexistente, mas relativo a proposições anteriores, que ele chama de proposições contextuais ou prévias, e assim ataca a proposição de que o sentido literal de uma frase é o sentido que essa frase tem em um "contexto zero" ou "contexto nulo".

O ponto de partida da teoria clássica dos atos de fala é a convicção de que a unidade mínima da comunicação humana não é nem a frase, nem qualquer outra expressão; de acordo com Austin, é a realização (performance) de alguns tipo de ato. O filósofo de Oxford deu uma longa lista desses atos de fala para demonstrar que não se trata de uma definição abstrata, como a lista de jogos de linguagem composta por Wittgenstein, e desse modo Austin tenta introduzir nesse campo a sistematização que Wittgenstein recusava.

Ao pronunciar uma frase, o falante realiza um, outro ou vários desses atos. O ato não deve ser confundido com a frase (ou com a expressão linguística, qualquer que seja ela) utilizada em sua realização. Apesar da teoria ser um estudo sistemático de relação entre os signos e seus intérpretes, tratando-se de saber o que fazem os intérpretes-usuários, que atos eles realizam pelo uso de certos signos, nem Austin e nem Searle se denominavam pragmáticos.

Austin chamou os atos de fala da sua lista de atos ilocucionários, do latim in = dentro e locutio = discurso, ou seja: o ato ilocucionário é o que se faz quando se fala. Alguns são suficientemente definidos pelas regras gerais da linguagem, enquanto outros dependem de certas condições extralinguísticas, convencionais, como no exemplo de que para declarar que uma sessão está aberta é necessário ser o presidente da sessão.

Os atos ilocucionários são classicamente distinguidos dos atos perlocucionários e atos proposicionais. Os atos perlocucionários são caracterizados pelos efeitos produzidos pelas nossas sentenças em nossos alocutários, entendendo-se por isto os efeitos advindos da simples compreensão  dessas sentenças, como: ficar convencido, emocionado, irritado, intimidado. Esses efeitos corresponderiam aos atos perlocucionários de convencer, emocionar, irritar ou intimidar.

Muitos atos ilocucionários, como afirmar, são realizados a fim de produzir efeitos perlocucionários, por isso as primeiras teorias behavioristas da linguagem não os distinguiam. Mas os teóricos dos atos de fala consideram importante fazer essa distinção entre o ato ilocucionário, ou ato de fala, e a obtenção de efeitos aparentemente perlocucionários, que podem provir de meios não necessariamente linguísticos, especialmente o comportamento gestual em seu conjunto (voz, ritmo, mímica, gesticulação).

Se a noção central no que se refere aos conteúdos proposicionais é a de verdade, a noção correspondente no caso de uma expressão de proposição, no que se refere aos atos ilocucionários, é a de realização. "Por exemplo, uma ordem é 'realizada' quando aquele a quem a ordem é dirigida efetuou a ação ordenada, ou seja, se o conteúdo proposicional se tornou verdadeiro dele" (p. 102)